A Soja

A origem do grão

A primeira referência à soja como alimento data de mais de 5.000 anos. O grão foi citado e descrito pelo imperador chinês Shen-nung, considerado o “pai” da agricultura chinesa, que deu início ao cultivo de grãos como alternativa ao abate de animais.

Um dos principais indicativos que atestam a importância cultural e nutricional da soja para os chineses é o fato de que já nos anos 200 antes de Cristo (a.C.) o grão era a matéria-prima essencial para a produção do tofu (leite de soja coalhado), tendo representado por milhares de anos a proteína vegetal, o leite, o queijo, o pão e o óleo para os chineses. Além disso, a soja era uma espécie de moeda, porque era vendida à vista ou trocada por outras mercadorias.

A soja de cinco milênios atrás difere muito da soja que conhecemos hoje: eram plantas rasteiras que se desenvolviam ao longo de rios e lagos – uma espécie de soja selvagem. O processo de “domesticação” da soja ocorreu no século XI a.C., a partir de cruzamentos naturais feitos por cientistas chineses. Neste momento, a soja era encontrada principalmente na região oriental do Norte da China, onde se cultivava trigo de inverno.

A partir daí, a soja começa a ser introduzida no Sul da China, indo para a Coréia, o Japão e outros países do atual Sudeste da Ásia. Registros históricos indicam que a expansão da cultura da soja foi lenta: teria chegado à Coréia e desta ao Japão no século III depois de Cristo (d.C.) – ficando até então restrita à China. No Ocidente, o grão surge no final do século XV e início do século XVI, época das chamadas grandes navegações europeias.

A adoção da soja como alimento é lenta no Ocidente. No século XVIII, pesquisadores europeus começam os estudos com brotos de soja como matéria-prima para a produção de óleo e nutriente animal. O cultivo comercial se inicia nos primeiros anos do século XX nos Estados Unidos, e na segunda década do século XX o teor de óleo e proteína do grão passam a chamar a atenção das indústrias mundiais.

Foi após o final da Primeira Guerra Mundial, em 1919, que o grão de soja se torna um item de comércio exterior importante. Pode-se considerar o ano de 1921, quando é fundada a American Soybean Association (ASA), como o marco da consolidação da cadeia produtiva da soja em esfera mundial.

A chegada no Brasil

A primeira referência bibliográfica sobre o cultivo de soja no Brasil foi feita em 1882, na Escola Agrícola São Bento das Lages, instituição fundada pelo Imperial Instituto Bahiano de Agricultura no município de Francisco do Conde, no recôncavo baiano. A Escola Agrícola havia sido criada para atender às necessidades da lavoura, formar operários agrícolas, inclusive atender meninos abandonados da região, e se transformaria na Faculdade de Agronomia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), como destaca Maria Antonieta de Campos Tourinho, falecida pesquisadora e historiadora da UFBA, em seu artigo “A Salvação da Lavoura: a Escola Agrícola de São Bento das Lages”.

O experimento científico de 1882 foi registrado em um artigo publicado naquele ano, no Jornal do Agricultor, do Rio de Janeiro, pelo agrônomo Gustavo Rodrigues Pereira D’Utra, professor da Escola Agrícola, instituição que havia sido inaugurada em 1877 pelo imperador Dom Pedro II, notório incentivador da pesquisa e do desenvolvimento científico. Apesar de pioneiro, o experimento realizado no recôncavo baiano não teve êxito porque o material genético trazido dos Estados Unidos pelo próprio Gustavo D’Utra não se adaptou ao terroir e ao calor baiano.

Há relatos sobre plantio experimentais da soja realizado em 1892 pela Estação Agronômica de Campinas, que havia sido criada em 1887, e que hoje se chama Instituto Agronômico de Campinas (IAC), e de sementes trazidas pelos primeiros imigrantes japoneses que chegaram ao Porto de Santos em 1908. Estudos foram feitos também nos municípios de Pinheiro Machado, Venâncio Aires e Dom Pedrito, no Rio Grande do Sul, por volta de 1901.

A publicação “Kalender für die Deutschen in Brasilien” (Calendários dos alemães no Brasil), publicado no idioma alemão em São Leopoldo (RS) entre 1881 e 1918, e idealizado pelo Dr. Wilhelm Rotermund, trazia anúncios, em 1914, de vários tipos de produtos e serviços oferecidos pela colônia germânica no Rio Grande do Sul, inclusive comunicando a existência de sementes de soja no estado.

A introdução oficial da cultura no Rio Grande do Sul tem sido atribuída ao professor norte-americano E.C. Graig, que lecionou e realizou atividades de pesquisa na Escola Superior de Agronomia e Veterinária da então Universidade Técnica de Porto Alegre, atual Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Segundo a Embrapa, em 1914 ele introduziu sementes de cultivares de soja e as distribuiu para as diferentes estações experimentais que estavam subordinadas à Escola.

Derli Dossa, pesquisador da Embrapa, em estudo intitulado “Soja: Aspectos de sua participação no mundo, no Brasil e na produção agroindustrial no Paraná”, publicado em 1986, informa que o agricultor Francisco Seibolth cultivou o grão na localidade de Esquina Ramos, no município de Santa Rosa, atual Tuparendi, com o objetivo de utilizar na produção de café entre 1917 e 1918, ainda que a origem da semente utilizada fosse desconhecida.

Em 1921, foram iniciadas no Campo Experimental de Sementes de São Simão (SP) pesquisas com soja a partir de cinco variedades vindas da Manchúria.

O engenheiro agrônomo Cláudio Magalhães, do Instituto Privado de Fomento à Soja (Instisoja), em artigo de sua autoria que integra o já citado livro “A Soja no Brasil”, de 1981, em seu capítulo 2, traz mais detalhes sobre os caminhos percorridos pela soja no Rio Grande do Sul. Ainda conforme seus registros, em 1921, a soja teria sido semeada pela primeira vez na extinta Estação Experimental de Agricultura e Criação de Santa Rosa pelas mãos do técnico rural Floriano Peixoto Machado, durante a gestão do diretor, professor Gentil Coelho Leal.

Há muitos relatos de cultivos de soja no Rio Grande do Sul e outros estados, seja por produtores ou pesquisadores, mas, segundo os registros a que se tem acesso, foi na virada de 1923 para 1924, pelas mãos do pastor luterano norte-americana Albert Lehenbauer, que a soja foi oficialmente introduzida nas mãos de agricultores e, a partir daí, nunca mais deixou de ser semeada.

Helena Priebe Lehenbauer, esposa do Pastor, escreveu uma carta enquanto residia em Nova York as primeiras sementes trazida ao Brasil. Nesse relato histórico para a sojicultura nacional, escrito em 10 de abril de 1976, Helena conta a seus parentes Reinhold e Gunda Fischer quando seu marido semeou pela primeira vez em solo santa-rosense as sementes que ele havia trazido dos Estados Unidos em uma garrafa.

“Escrevo-lhes logo, pois sei exatamente quando Lehenbauer trouxe a soja para a vossa terra, já que estive junto. Lehenbauer não encomendou a soja e, sim, trouxe-a pessoalmente, no ano de 1923, quando estivemos nos Estados Unidos. Quando lá estivemos na casa da irmã do meu marido, Lehenbauer disse que gostaria de levar alguma soja para o Brasil, com a intenção de aqui introduzi-la. Entretanto, ele ficou sabendo que a semente que estivesse atravessando o oceano não mais germinaria. Disse, porém, sua irmã que ela colocaria uma mão cheia de grãos numa garrafa e que, assim levada, certamente ainda germinaria. Assim, ela colocou a soja numa garrafa de litro e pudemos trazê-la. Uma sorte foi que a garrafa continha bastante ar, pois isso evitou que ela murchasse. Chegamos a Santa Rosa, em 12 de novembro de 1923, e imediatamente Lehenbauer começou a plantar. Lembro-me exatamente que os primeiros pés de soja não chegaram a crescer nem mesmo um palmo. No entanto, os pés tinham uma ou duas vagens, as quais continham, igualmente, um ou dois grãos cada uma. Assim, ele continuou plantando, a soja sempre crescendo e vindo cada vez mais com mais e maiores grãos e vagens. Lehenbauer mostrou a soja para mais pessoas, as quais não quiseram começar a plantá-la efetivamente, já que não sabiam nem ao menos o que dela poder-se-ia fazer. Então Reinhold Fischer fez um plantio e colheu uma bela porção de soja. Fui junto de carro visitá-lo a fim de poder também apreciar a soja. E foram realmente belos pés de feijão (…)”.

Fonte: “A História dos 100 anos da Soja no Brasil”, livro de autoria de Vinícius Tavares, especial para a Fenasoja 2024.

A expansão da Soja

A expansão da soja no Brasil começa mesmo nos anos 1970, quando a indústria de óleo começa a ser ampliada. O aumento da demanda internacional pelo grão é outro fator que contribui para o início dos trabalhos comerciais e em grande escala da sojicultura.

A ampliação dos plantios de soja no Brasil sempre esteve associada ao desenvolvimento rápido de tecnologias e pesquisas focadas no atendimento da demanda externa. Tanto que na década de 70 a soja já era a principal cultura do agronegócio nacional: a produção havia passado do 1,5 milhão de toneladas em 1970 para mais de 15 milhões de toneladas em 1979. Importante notar que essa ampliação desde esse início esteve intrinsecamente ligada aos investimentos no aumento de produtividade, e não necessariamente de área (que de 1,3 milhão de hectares passou para 8,8 milhões de hectares na década). Os índices de produtividade nesse período saíram do patamar de 1,14 t/ha para 1,73 t/ha.

Um dos importantes agentes desse processo de evolução da sojicultura brasileira foi a Embrapa, que tem desenvolvido desde esse período novas cultivares adaptadas às condições climáticas das regiões produtores, como o Centro-Oeste. A Embrapa Soja foi criada em 1975, e a partir da década de 90 várias agências de pesquisa começam a surgir para atuar no segmento.

A introdução da soja para além dos estados da região Sul só foi possível devido ao desenvolvimento de cultivares adaptadas ao clima mais quente. A adoção da técnica do plantio direto também contribuiu para a inserção do grão na agricultura das regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte. O fato de que a soja permite a fixação no solo de nutrientes essenciais para o plantio de outras culturas, como o feijão e o milho, foi um aspecto positivo para sua expansão no Brasil, pois permitiu a adoção de uma entressafra produtiva.

O desenvolvimento de cultivares tolerantes a herbicidas chega ao Brasil em 1995, quando o Governo Federal aprova a Lei de Biossegurança, permitindo então o cultivo de plantas de soja transgênicas em caráter experimental. A lei é atualizada em 2005, regulamentando definitivamente o plantio e a comercialização de cultivares transgênicas no Brasil.

Esse processo de consolidação da sojicultura no País foi fundamental para o desenvolvimento de toda uma cadeia produtiva, incluindo investimentos privados e públicos em estruturas de armazenagem, unidades de processamento do grão e modais para transporte e exportação da soja e seus derivados. Além disso, a soja brasileira permitiu uma maior viabilidade comercial para a atividade pecuária, devido ao fato de que se trata de uma matéria-prima estratégica para a produção de ração animal para gado bovino, suíno e aves.

Outra consequência positiva da sojicultura no Brasil foi o processo de desenvolvimento urbano dos municípios ligados à cultura, principalmente nos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste do País.

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Uso da Soja

A cultura da soja proporcionou uma grande revolução alimentar. Hoje não existe nenhuma outra proteína de origem vegetal com melhor custo benefício para a produção de carnes, ovos, leites e derivados do que soja. A demanda por proteína animal tem crescido substancialmente nas últimas décadas e seguirá crescendo, principalmente, graças à melhoria de renda das pessoas nos países asiáticos. Portanto, além de garantir proteína animal em grandes quantidade e preços acessíveis aos brasileiros, a soja também é importante para a segurança alimentar de muitas outras nações.

Mas não para por aí. A soja está presente quando se come um ovo frito, uma mandioquinha e batata fritas, já que a maior parte do óleo vegetal no país vem da soja. Deste mesmo óleo vegetal, tem saído mais de 70% da matéria prima para produzir o biodiesel brasileiro, hoje em mistura de 10% no diesel nacional, reduzindo as emissões de gases do efeito estufa. A soja também dá origem a diversos produtos para consumo de pessoas vegetarianas ou com intolerância a lactose, inclusive lactantes, bem como a produto de tratamento hormonal. A oleaginosa ainda está presente em maquiagens, tintas e até nos colchões de espumas através de um polímero (poliol).

Geralmente, pensamos na soja como alimento ou matéria-prima para derivados, como óleo e farelo. Mas o grão tem inúmeros outros usos. Além do grão como alimento funcional, a soja é utilizada para a produção de produtos como chocolate, temperos prontos e massas. Derivados de carne também costumam conter soja em sua composição, assim como misturas para bebidas, papinhas para bebês e muitos alimentos dietéticos.

Do óleo extraído do grão (aproximadamente 15% da produção de soja em grão são destinados à fabricação de óleo), são produzidos óleo de cozinha, tempero de saladas, margarinas, gordura vegetal e maionese. Do processo de obtenção do óleo refinado de soja, obtém-se a lecitina, um agente emulsificante (que “liga” a fase aquosa e oleosa dos materiais), muito usado para se produzir salsichas, maioneses, sorvetes, achocolatados, barras de cereais e produtos congelados.

Outro segmento de produtos alimentícios que aproveita a soja é o de bebidas prontas – leite e sucos de frutas à base de soja.

Indiretamente, sempre que comemos carnes estamos ingerindo soja. No Brasil, 80% do farelo de soja, junto com o milho, compõem a ração fabricada para a alimentação animal. É a transformação da proteína vegetal (grão) em proteína animal (grão mais carne).

Produtos feitos a base de soja são indicados a indivíduos com intolerância à lactose. Pesquisas associam o consumo da soja à diminuição de doenças cardiovasculares e à redução da incidência do enfarto e derrame cerebral. Seus antioxidantes ajudam no ganho de massa magra e contribuem para proteger o organismo do envelhecimento causado pelos danos celulares.

Durante a menopausa, a soja é considerada uma alternativa natural para a reposição hormonal. Além disso, o consumo em forma de grão ou farinha integral possibilita a absorção dos elementos bioativos importantes para as mulheres.

Indústrias de diferentes setores utilizam soja como matéria-prima em seus processos de produção. Exemplo: indústrias de cosméticos, farmacêutica, veterinária, de vernizes tintas e de plásticos. A soja também é muito usada pela indústria de adesivos e nutrientes, adubos, formulador de espumas, fabricação de fibra, revestimento e papel emulsão de água para tintas.

Na história comercial mais recente, pela segurança e abundância em termos de oferta, o óleo de soja se tornou a principal matéria-prima para a produção do biodiesel, o combustível renovável que contribui para reduzir a emissão de gases poluentes no meio ambiente. O biodiesel é composto por diesel de petróleo e óleo extraído de várias oleaginosas. O óleo de soja representa mais de 80% da demanda total da fabricação de biodiesel no Brasil.

O Brasil é o segundo país na produção e processamento mundial de soja, sendo também o segundo maior exportador de grão, óleo e farelo de soja. Estima-se que a cadeia produtiva da soja reúna no País mais de 243 mil produtores, e um mercado de 1,4 milhões de empregos. Atualmente, 70% da produção de grão, óleo e farelo de soja são exportados. Em Mato Grosso, a participação da soja na economia estadual é ainda maior: em 2011, o grão respondeu por 43% do Valor Bruto da Produção (VBP) estadual, sendo uma das principais forças motrizes do desenvolvimento mato-grossense.