Até o dia 6 de dezembro, aproximadamente 7.000 pessoas terão que desocupar a gleba Suiá-Missú, localizada entre os municípios de Alto da Boa vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia. Parte da região foi demarcada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como reserva indígena Marãiwatsédé. Na última semana, estive em Alto da Boa Vista e encontrei famílias desesperadas por estarem prestes a perder mais de 40 anos de história em uma área que a Funai insiste afirmar que pertence aos índios. Ouvimos dos próprios indígenas que não há histórico de comunidade remanescente por lá.
Enquanto escutava as histórias, fiquei pensando na encruzilhada em que se encontra a Justiça, já que independentemente do resultado final todos perderam. Índios e não índios que viviam em harmonia, hoje se olham com desconfiança. Se a retirada das famílias acontecer, os índios terão uma área diferente do habitat natural que estão acostumados a viver e os não índios precisarão recomeçar tudo em outro lugar e sem nenhuma assistência do Estado, pois sabemos muito bem que a ajuda do governo tarda e falha.
Aproximadamente 700 índios xavantes poderão ser donos de um latifúndio já ocupado e beneficiado por cerca de 7.000 pessoas que adquiriram terras com a anuência do governo e investiram na região. Criaram gerações e desenvolveram a economia e a educação de um local que agora tornou o centro das atenções de outras pessoas com interesses duvidosos. Se houve um erro, até o governo foi cúmplice quando realizou investimentos de infraestrutura no local, como a implantação de postos de saúde e escolas.
A Justiça demorou tanto para decidir sobre a matéria que a decisão tornou-se injusta, mesmo que haja legitimidade na reivindicação da Funai. É direito constitucional e é justo que os índios tenham terra. Mas me questiono: de que adianta mais área, se eles não conseguem acesso nem aos serviços básicos, também previstos na Constituição, como saúde, educação, saneamento básico, lazer e segurança? O emblemático caso da Raposa Serra do Sol, em Roraima, nos mostrou que o aumento de área não repercutiu em nada na melhoria da qualidade de vida dos índios, muito pelo contrário.
A gleba Suiá-Missú assim como outras áreas que atualmente são alvo da Justiça e dos interesses questionáveis da Funai foram tituladas há muitos anos com o aval público e explícito do governo. É bom que fique claro, as pessoas chegaram nestes locais movidas por seus sonhos e pelas promessas do Estado. Agora, famílias de pequenos produtores, comerciantes e autônomos não terão onde morar e trabalhar. Os produtores e a sociedade civil terão que abandonar tudo o que foi construído e com o consentimento do Estado? Isso é no mínimo uma loucura!
Se levarmos em consideração os argumentos da Funai de que a atual região de conflito um dia foi ocupada pelos índios, o litoral paulista e o Rio de Janeiro, por exemplo, também teriam que ser integralmente devolvidos à população indígena, pois há registros históricos da passagem destes povos no Sudeste do Brasil.
Os índios merecem respeito e proteção do Estado. É por isso que defendemos a Proposta de Emenda Constitucional 215 (PEC 215), que atribuirá ao Congresso Nacional a competência para a demarcação de terras indígenas no país. Quem sabe assim, a justiça volte a ser justa com índios e não índios.
Ampliar áreas não resolverá os problemas dos índios e, além disso, contribuirá para gerar mais conflitos sociais e entraves econômicos no Brasil. Não podemos aceitar que as entidades que defendem os interesses indígenas estimulem o desentendimento dos povos, sejam eles índios ou não.
A Famato apoia o movimento da Associação de Produtores da Gleba Suiá-Missú e fará o que estiver ao alcance para contribuir na resolução deste impasse de forma harmônica. Nossa expectativa agora é que o governo brasileiro, por meio da Funai, Ministério da Justiça e da Presidente da República, Dilma Rousseff, compreendam a gravidade do que está ocorrendo na região e busquem uma solução plausível tanto para os produtores quanto para os índios.
*Rui Prado é produtor rural e presidente do Sistema Famato (ruiprado@famato.org.br).