Eu tenho pregado muito sobre a importância da biotecnologia para os produtores e para o país. Porém, fatos recentes têm me feito repensar sobre aquilo que realmente é o melhor para nós produtores e para a segurança alimentar nacional. Recentemente a Monsanto começou a levar a campo um acordo individual com os produtores que tem me causado indignação pelos riscos que traz a eles, uma vez que acabam assumindo compromissos muito questionáveis e se tornando uma espécie de integrado da biotecnologia, ao menos no caso da Monsanto. Para me fazer entender melhor, vou descrever os fatos que nos trouxeram até esse momento.
A Aprosoja-RS, a Famato e Aprosoja-MT, por meio dos sindicatos rurais e outros signatários, têm ações estaduais impetradas na justiça questionando a cobrança de royalties sobre a Soja RR1. No caso da ação do Rio Grande do Sul se questiona a legalidade da cobrança de royalties sobre a produção de soja (na moega), recolhida pelas tradings, cooperativas e cerealistas na comercialização. Em abril de 2012, um juiz da 15ª Vara Cível de Porto Alegre deu ganho parcial e, por liminar, suspendeu a cobrança. A Monsanto recorreu, mas a ação seguiu tramitando aguardando um relator.
No caso do Mato Grosso, a ação questiona a validade das patentes da tecnologia RR1 alegando que já estariam vencidas desde agosto de 2010. A Monsanto defende que a validade da tecnologia RR1 venceria em 2014, pois o último depósito ou registro foi feito quatro anos depois do primeiro. A legislação brasileira conta a validade das tecnologias a partir do primeiro registro ou depósito no país de origem.
A base do argumento da ação do Mato Grosso é de que até hoje nenhuma empresa conseguiu junto ao judiciário ganho de causa de extensão da patente. Empresas multinacionais de remédios, por exemplo, entraram com vários pedidos de extensão da validade de patente e não conseguiram. Sendo assim, se aplicarmos a similaridade de pedidos, a Monsanto não conseguirá estender a validade de sua patente até 2014, e, já estaria cobrando ilegalmente nos últimos dois anos. Por tudo isso, a ação pedia a suspensão imediata da cobrança de royalties ou que pudesse ser depositado o valor em juízo. Neste caso, o juiz também deu ganho parcial e autorizou o depósito em juízo.
Em um último capítulo desta história, a CNA e outras 10 federações assinaram um termo de princípios que destaca as virtudes e a importância da biotecnologia. As empresas de biotecnologia devem ser remuneradas e para garantir a remuneração teriam direito de fazer teste de detecção de sua tecnologia. Além disso, aos produtores que assinassem um acordo individual com a empresa, não precisariam mais pagar pelos royalties sobre a Soja RR1, mas dariam quitação recíproca de débitos sobre a tecnologia, ou seja, não entrariam na justiça questionando valores cobrados anteriormente.
Como resultado, esse acordo individual não consensual passou a ser vinculado ao acordo da CNA e federações, o que foi objeto de manifestação da entidade de que não assinou nenhum acordo em nome do produtor e que assinar o acordo individual é de responsabilidade e escolha exclusiva dos produtores.
Pois bem, inúmeras iniciativas de negociações foram travadas, mas infelizmente mesmo os produtores do Mato Grosso não tendo aceitado o acordo individual proposto pela Monsanto, a multinacional saiu a campo com todo seu poder de Golias induzindo os produtores a assinarem um contrato que a nosso ver vai deixar o futuro deles “negro”.
Por várias vezes dissemos a Monsanto que aceitávamos fazer um acordo que tratasse da tecnologia RR1, mas, ao invés disso, a empresa elaborou um acordo individual com cláusulas que comprometem o produtor e o sujeitam as condições e interesses unilaterais da multinacional. E ao examiná-lo, nos parece que a única cláusula favorável ao produtor é a que diz que ele só planta se quiser, mas isto se a multinacional não dominar o mercado com sua tecnologia e ao produtor sobrar ainda algum poder de escolha.
O acordo individual implica que o produtor irá se licenciar para a nova tecnologia da Monsanto, mas não diz quais patentes e suas validades. Além disso, ao assinar o termo o produtor assume que concorda que a multinacional continue cobrando na moega, questionamento judicial da ação da Aprosoja-RS. E nós sabemos que a maioria dos produtores não concorda com esta questão. Cobrar 2% sobre o valor da produção é muito pesado e no caso da Intacta é 7,5% ou sabe lá quanto. Se o produtor colher 50 sacas, 3,5 sacas já são da Monsanto.
E o que é muito importante, ao assinar o acordo os produtores estarão abrindo mão de futuros questionamentos como a cobrança na moega e o tratamento dado em caso de contaminações de cargas, muito comuns com a Soja RR1. E o que é ainda pior, eles se tornariam meros integrados da multinacional. Por isso entendemos que assinar o contrato individual hoje seria prejudicial para os produtores. E, sendo assim, fica o questionamento: porque alguns produtores estariam assinando um documento que irá prejudicá-los?
Primeiro porque estão desinformados da gravidade do documento. Muitos pensam que estão assinando apenas um documento onde eles abrem mão de questionar judicialmente ou receber qualquer indenização pelos dois ou sabe lá quantos anos de cobrança ilegal e em troca não precisariam mais pagar royalties nos próximos dois anos sobre a Soja RR1. Segundo por comodidade, afinal os produtores acabam pensando que é melhor ele deixar de pagar que ter que contratar um advogado para depositar em juízo.
Muitos alegam que isso não vai dar em nada: a Monsanto é poderosa e a justiça é lenta. Infelizmente este é o retrato do pensamento de muitos brasileiros céticos com a justiça. Mas, a Aprosoja Brasil de forma alguma deixaria de alertar, se posicionar, mostrando os riscos deste acordo individual.
Tenho fé no judiciário brasileiro que a pouco deu mostras julgando o Mensalão, que a justiça pode ser feita sim. Por isto acredito que em breve teremos a resposta a este gigante, de que o poder não pode tudo e de que não será no Brasil que esse Golias vencerá os nossos Davis que trabalham e produzem, mas que sabem para onde atiram as pedras e o fazem com precisão.
*Glauber Silveira