Estive na Argentina semana passada pelo projeto Soja Brasil, que apesar do nome passou a ter um caráter internacional, e pude percorrer mais de 1.500 quilômetros e conversar com diversos produtores e instituições. E o que constatei foi o sofrimento dos argentinos com mais uma safra cheia de incertezas; e o que é pior, com indicativos que produtores de algumas regiões deixarão a atividade agrícola em virtude de duas safras seguidas de prejuízos.
A safra anterior teve perdas significativas tanto para a soja quanto para o milho. No caso da soja teve quebra de 22,6% na produção e o milho de 31,16%. Considerando a quebra da safra anterior e que 60% das áreas são arrendadas, foram contabilizados prejuízos entre R$200 a 300 reais por hectare, e por isso os produtores argentinos estão no seu limite.
Para piorar, o país tem amargado uma inflação de 25%, 26% e 29% nos últimos três anos, o que impacta diretamente nos custos de produção, já que 40% do custo do produtor (Frete e operações agrícolas) são pagos em Pesos argentinos. E com perspectiva de mais um ano de perdas, chegando a 50% em províncias ao norte, podemos dizer que existem produtores que não tem mais como continuar na atividade. Além da inflação, a carga tributária também é alta, impactando a renda dos produtores em 40% (retenciones de 35% sobre o valor da soja e 5% no imposto de renda).
No Brasil os produtores conhecem muito bem esta história, tanto que algumas regiões nos últimos 10 anos perderam 50% dos produtores que nela mantinham atividade, pelos mesmos motivos. Em Campos de Júlio-MT o meu município, por exemplo, éramos 166 produtores em 2003 e hoje somos apenas 47, sendo que a metade destes não reside no município, e como consequência boa parte das áreas é absorvida por grandes grupos.
No caso da Argentina, que até novembro previa uma safra recorde, viu no clima seu maior inimigo, entrando dezembro com excesso de chuva e alagamentos em várias regiões. Como resultado dos 19,7 milhões de hectares potenciais 2,2% não foram plantados e dos que se plantou 6,7% foram comprometidas com os alagamentos, restando uma área estimada de 18 milhões de hectares a ser colhida. O prolongamento das chuvas fez com que o plantio ficasse atrasado em 28% das regiões. Em algumas, o atraso foi de 10 a 36 dias dependendo da região, o que deve comprometer a produtividade. Dados de institutos de pesquisa da Argentina apontam quedas em torno de 30 kg por dia de atraso, ou seja, 30 dias de atraso no plantio perda de 15 sacas.
Não bastasse a inundação das áreas, depois veio a seca, em algumas regiões passando até 60 dias sem chuva. Em Santa Fé, província que faz fronteira ao sul com Buenos Aires, algumas áreas viram as últimas chuvas em 15 de dezembro, o que já se traduz em quebras de 30 a 40% em produtividade. É importante frisar que 60% das áreas argentinas são arrendadas e que o valor do arrendamento fica em torno de 30 sacas de soja por hectare, diferentemente do que temos no Brasil onde no máximo temos arrendamentos de 15 sacas por hectare.
Em virtude de todos estes problemas a safra Argentina antes esperada para 55 milhões de toneladas não deve passar dos 48 milhões. Podemos já até estimar uma produtividade média que não deve ficar muito acima das 2,6 toneladas por hectare. Os produtores rezam e fazem promessas para que a chuva venha e o prejuízo não seja maior. Até agora, as províncias de Tucumán e Santiago foram as mais afetadas e devem ser as que mais perderão produtores, afinal com quebra de safra de 50%, impostos diretos que chegam a 40% da produção e um arrendamento que chega a 60% dos custos totais, uma inflação de 29%, fica impossível continuar a produzir.