Integrei a missão brasileira na América do Sul, organizada pela Associação Brasileira de Sementes de Soja, a ABRASS e participação da Aprosoja Brasil. O objetivo da missão era ver as diferentes organizações envolvidas no setor de sementes e biotecnologia de diferentes países. Em nossa rota passamos por Argentina, Uruguai, Paraguai e Bolívia. Para nós produtores é um tema de grande relevância já que de forma recorrente discutimos semente salva, forma de pagamento de royalties e incentivo à pesquisa. É de fundamental importância entender o que os nossos vizinhos produtores estão pensando, afinal a América do Sul responde hoje por 70% da soja produzida no mundo.
Os produtores Argentinos até o momento não estão pagando pelos royalties dos transgênicos, custeiam somente pela cultivar quando compram sementes certificadas, detalhe: no país apenas 25% das sementes são certificadas. Mas como existem novos eventos como a INTACTA para entrar no país, foi iniciada uma discussão para alterar a lei de sementes e garantir a remuneração pela tecnologia. Porém, o debate não teve consenso e está parado no Parlamento argentino. Ocorre que no país não se aceita registrar plantas ou neste caso, tecnologias nela embutida. E mesmo pela pesquisa no melhoramento convencional, o produtor paga uma vez e depois faz semente salva sucessivamente.
Para buscar compensar a falta de remuneração, ainda que de forma paliativa, os obtentores por meio da Associação Argentina de Obtentores Vegetais (ArPOV) criaram no país o Sistema de “Regalía Extendida”. Isso significa que, o produtor paga uma taxa para poder seguir salvando sua semente após comprar a primeira vez de forma legal. Entretanto, embora se tenha elevado o controle sobre o uso, na prática o que se viu foi crescer a ilegalidade. Isso porque, o uso de sementes salva sem pagar a taxa de extensão de uso aumentou na última década e hoje supera os 65% da área plantada. Mas o que chamou minha atenção é que apesar de tudo, as empresas seguiram pesquisando e lançamento novos cultivares no país, e considero esse o principal motivo do setor de semente se manter firme na Argentina.
No Uruguai assim como na Argentina se faz semente salva, porém a regalía extendida funciona para quase 100% desse modelo de semente, sendo liberada apenas para os pequenos produtores, que representam menos de 1% da área plantada. No país, 50% da área é plantada com semente salva certificada com regalía extendida e apenas 5% com sementes ilegais. Também como na Argentina, não se paga pelos royalties da RR. Mas com a possibilidade da entrada da INTACTA, se estuda como será feita a cobrança, pois é consenso que não será na comercialização do grão, ou na moega, como dizemos no Brasil.
No Paraguai visitamos o Serviço Nacional de Certificação de Sementes e descobrimos que ao contrário dos outros países, lá foi feito assim como no Brasil: um acordo para a Soja RR entre a empresa e produtores para o pagamento na semente ou na moega. Como os produtores não têm liquidez na compra da semente, porém quando colhem a maioria pagou na moega. Mas lá, houve uma partilha dos royalties em que 65% do valor ficou com a Monsanto, e 35% é partilhado entre os retentores do valor (8%), obtentores (13%), sementeiros (4%) e pesquisa pública (10%). A lei paraguaia de patentes prevê que se pode patentear processos de engenharia genética, como no caso de eventos transgênicos, mas não existe nenhuma regulamentação quanto a forma de cobrança.
Ainda na quinta-feira, visitamos a Aprosemp (Associação dos Sementeiros Paraguaios). Lá nos foi dito que a lei no Paraguai é parecida com os demais países, permitindo salvar semente. Contudo, no caso paraguaio, o produtor pode comprar semente certificada uma vez para plantar em sua propriedade 50 hectares e depois salvar 1000 hectares, por exemplo, desde que a propriedade seja dele. E também nos disseram que assim como no Uruguai a maior parte da semente é importada.
Já na Bolívia, no dia seguinte, descobrimos que o produtor pode produzir semente salva, mas se quiser plantar as variedades protegidas, aquelas registradas no Ministério da agricultura pelos obtentores, tem que pedir autorização a empresa detentora da tecnologia do cultivar registrado. Ou seja, se salvar semente e for pego plantando está ilegal. E para solucionar o contrabando no comércio de sementes e bolsa branca, trabalham com postos de controle nos principais pontos de entrada de insumos. Com isso, cerca de 80% da área de Sta. Cruz é certificada.
A Soja transgênica entrou ilegalmente na Bolívia e os produtores não pagaram royalties. E, como mais de 79% da área de soja do país estava sendo plantada com a Soja RR, o governo teve que legalizar o cultivo, como ocorreu no Brasil. Porém, há uma resistência muito grande aos transgênicos, pois a presença de ONG dentro do próprio governo prevê a desapropriação para aqueles que plantarem um transgênico não autorizado. Por isso, as entidades entendem que a possibilidade de novas tecnologias transgênicas entrarem ilegalmente é muito grande, assim como a Soja RR, e quando a maior parte da área da cultura for transgênica, o governo terá que regularizar novamente.
Ficou claro em todos os países que passamos onde conversamos com governo, sementeiros e produtores, todos entendem a importância da tecnologia e a sua remuneração para que as empresas continuem lançando variedades mais produtivas. Entretanto, em todos os países os produtores não abrem mão de salvar a semente, deixando claro que onde há menor pirataria se paga menos pela tecnologia. Agora, o grande desafio é construir uma legislação que contente a todos e tenho certeza que isto é possível.