Estive na Argentina, pelo projeto Soja Brasil, com o objetivo de ver o andamento da safra de soja 2013/2014, depois de passar pelo Uruguai. Percebi que – apesar do clima – o Cone Sul vai conseguir uma boa safra… Ajudados pela logística (os argentinos plantam soja praticamente dentro do porto no rio da Prata, ou numa distancia máxima de 300 km), parecem trabalhar com enormes vantagens quando comparados com as dificuldades dos brasileiros.
Mas, em compensação, enfrentam uma situação dificil de ser entendida até mesmo pelo mais sofrido dos nossos produtores — é que nossos hermanos estão debaixo de uma política de taxas e impostos (as chamadas “retenciones”), imposta pelo Governo Cristina Kischner, que lhes tira praticamente toda a renda auferida na safra. Em consequência — e isso foi o que mais me surpreendeu — essa política de taxas e impostos extorsivos tem provocado a total extinção da maioria dos grandes grupos agrícolas argentinos (que eram os maiores produtores mundiais da oleaginosa).
Para se ter uma idéia, o grupo “El Tejar”, que, em 2010 plantava 960 mil ha (sendo 340 mil ha no Brasil e na Argentina 300 mil ha), nesta safra não plantou nada na Argentina — porém continuou plantando 200 mil ha no Brasil, Bolívia e Uruguai. Não é só essa empresa… Os demais grandes empreendimentos estão sumindo da Argentina. A Los Grobos, que sempre plantava 170 mil ha, este ano plantou 50 mil ha. Outro grupo, o Molinos, que plantou 150 mil ha na safra anterior, nesta safra não plantou nada .
A Argentina teve nos últimos dez anos a implantação de grupos agrícolas formando grandes sociedades de plantio. Trabalhavam no sistema de pool de plantio, que se baseia em parcerias de um grupo gestor com produtores. E esse sistema de gestão alavancou a produção de grãos platina a números semelhantes aos dos americanos. Mas a política populista arrasou com esse sucesso empresarial.
Sebastian Gavaldan, consultor argentino, nos explicou outros motivos que levaram a extinção desses grandes grupos. O clima foi um deles. Nos últimos anos tiveram três safras de muita seca e baixa produtividade e o arrendamento se tornou muito caro. Mas o maior problema, sem dúvida é o governo Kischner — que fica com 35% do valor da venda da soja (as “retenciones”) enquanto que na compra dos insumos ele cobra outros 21% do valor, prometendo devolver uma parte em forma de crédito ao produtor, mas a dificuldade é conseguir esse dinheiro de volta…
Por causa de sua política nacionalista, a Argentina não tem recebido investimentos internacionais. E as empresas nacionais (como os grandes grupos agrícolas) estão preferindo ir para o Brasil ou outros países da América do Sul, onde a política fiscal pelo menos nesse ponto é “aceitável”. Inclusive grandes grupos brasileiros que iniciaram investimentos na Argentina já recuaram desse propósito devido aos altos custos tributário e de arrendamento.
Tal situação tem trazido atrasos à agricultura argentina. Os produtores dizem que se não tivesse um imposto tão pesado, que é de 21% na compra dos insumos e 35% na venda da produção, a Argentina em vez de estar produzindo as constantes 100 milhões de toneladas de grãos, já poderia estar produzindo muito mais, no mínimo 20 milhões de ton.
O custo de produção está em torno de 300 dólares/ha, o arrendamento está em torno de 500 a 600 dólares ou 1.500 kg por ha. Os preços eram mais caros, mas com a saída dos grandes grupos da Argentina o arrendamento caiu de 2.000 kg de soja por ha para 1.500 kg, mesmo assim o arrendamento e o custo de produção ficam em 37 sacas/ha –, dessa forma, um produtor que arrenda e colhe 60 sacas/ha tem como despesas 21 sacas de impostos, 12 sacas de custo e 25 sacas de arrendamento — o que gera um custo total de 58 sacas, ou seja, uma situação totalmente inviável para se produzir por lá.
Como já relatei acima, a safra argentina está boa, apesar da seca em dezembro e a chuva em excesso no mês de janeiro (quando choveu em 15 dias de janeiro praticamente a metade do que deveria ter chovido o ano todo). Mesmo com esse cenário, as lavouras estão saudáveis, e devem fechar a safra com números maiores que a passada, que foi de 47 milhões de toneladas. As consultorias, inclusive a Bolsa da Argentina, estimam números próximos a 53 milhões de toneladas.
Entretanto, outro problema presente na safra argentina tem sido as lagartas, que foram também um dos principais problemas da produção 2013/2014 do Brasil. A diferença é que na Argentina o controle fica de 10 a 15 dólares, enquanto que no Brasil uma aplicação de inseticida custa o dobro. Além do mais o registro de produtos na Argentina é mais rápido e custa menos, e, com isso, o preço dos produtos é mais baixo. Na Argentina eles têm também uma lagarta da mesma família da Helicoverpa armigera, chamada por eles de Bolillera.
A semente Intacta ainda não foi plantada no país. Os argentinos dizem que pretendem plantá-la, pois agora enfrentam as lagartas. Só que não contam com alternativas, pois como os produtores de lá não tem pago royalties pela biotecnologia, a maioria das empresas não tem investido em novas tecnologias — inclusive empresas sementeiras argentinas tem investido mais no Brasil do que na Argentina – situação que preocupa o setor.
A conclusão a que cheguei é que os produtores argentinos têm um dos solos mais férteis do mundo (tanto que em anos que o clima ajuda e nas áreas de pivô-central as produtividades têm sido próximas de seis toneladas/ha), porém estão diante desses dilemas (as “retenciones”), que estão inviabilizando o setor.
Mesmo com as dificuldades quase que intransponíves, é claro que a produção argentina continuará, só que à custa da economia de muitos produtores — que perderam o trabalho de toda uma vida… Enfim, temos aqui no Brasil nossos problemas, e eles lá têm os deles…, o importante nesses contatos e nessas trocas de informações propiciado pelo Soja Brasil é aprendermos com as dificuldades mútuas. Não queremos passar, no futuro, pelos mesmos dramas vividos pelos argentinos. Por isso, o que não se pode é desistir de lutar.
*Glauber Silveira