Artigo: Eder de Souza Martins, pesquisador da Embrapa Cerrados
Ultimamente temos visto uma profusão de informações de vários tipos na mídia sobre a prática da rochagem como alternativa para o manejo da fertilidade do solo. Precisamos esclarecer vários aspectos para superar algumas confusões conceituais sobre o tema e indicar quais caminhos a pesquisa nos aponta.
A rochagem é definida como a prática da aplicação direta de rochas moídas ao solo com a finalidade de manejar a fertilidade e fornecer nutrientes para as plantas. Neste caso, só são permitidos processos mecânicos de diminuição de partículas para a produção das rochas moídas. Outros processos de produção, tais como térmicos, químicos e biológicos não estão dentro do conceito de rochagem, mas podem ser admitidos em outros tipos de insumos.
O uso de rochas moídas diretamente ao solo é uma prática antiga na agricultura, como é o caso dos calcários agrícolas e dos fosfatos reativos. A novidade que nos deparamos recentemente é o uso de determinadas rochas silicáticas moídas na agricultura. Apesar de sabermos pouco, estas rochas deram origem aos solos agrícolas. As rochas silicáticas ocupam 90% da cobertura de todos os continentes. Além de abundantes, apresentam diferentes composições químicas e mineralógicas. Elas são compostas por minerais onde o silício é o elemento central, junto com outros elementos que ocorrem em concentrações elevadas (no nível de porcentagem): alumínio, ferro, cálcio, magnésio, potássio, sódio, manganês, fósforo e titânio. Mas se fizermos uma análise química detalhada nestas rochas poderemos encontrar todos os elementos químicos da tabela periódica que ocorrem naturalmente.
No passado, a maior dificuldade encontrada pela pesquisa em relação ao uso de rochas silicáticas na agricultura foi o conceito de que os minerais silicáticos são transformados em solos numa velocidade muita baixa, na escala de milhares a milhões de anos. A solubilidade destes minerais em água é muito baixa. No entanto, a velocidade deste processo pode ser muito maior se tiver a ação das raízes das plantas e dos microrganismos associados. Diversos estudos mostram que determinados minerais silicáticos, em especial aqueles que contém cálcio e/ou magnésio, e alguns ricos em potássio, podem ser transformados na escala agronômica, já em um ciclo de uma cultura anual, como é o caso da soja.
Após muito estudo e discussão por meio das três edições do Congresso Brasileiro de Rochagem (vejam o site do último que ocorreu em Pelotas em novembro de 2016), definimos um novo tipo de insumo: os remineralizadores de solos, formados por determinadas rochas silicáticas. Da mesma forma que os calcários agrícolas e os fosfatos reativos, os remineralizadores de solos também são produzidos apenas por processos mecânicos para a diminuição do tamanho das partículas. Desta forma, os usos destes diferentes insumos em solos agrícolas estão dentro do conceito da prática da rochagem.
O marco legal dos remineralizadores de solo foi determinado pela Lei 12.890/2013 e a instrução normativa 5 e a instrução 6 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Estes critérios são objetivos e permitem afirmar se um pó de rocha silicática é um remineralizador de solo ou se continua apenas um pó de rocha. Desta forma, não é qualquer tipo de rocha silicática que poderá se transformar em remineralizador de solo. Vejam, abaixo, o fluxograma para registro e fiscalização de remineralizadores de solos.
O uso de remineralizadores permite reiniciar o processo de formação de solo na camada mais superior dos solos agrícolas. A ideia é imitar o que a natureza faz, mas na velocidade do desenvolvimento das plantas cultivadas. O resultado da interação entre os remineralizadores com o solo e as plantas libera nutrientes e forma novos minerais que ficarão no solo no longo prazo. Os nutrientes são aproveitados por demanda das plantas e os novos minerais aumentam a capacidade de troca de cátions (CTC) e a capacidade de retenção de água (CRA) do solo. A liberação de nutrientes é no curto e no médio prazo. A estabilidade dos novos minerais formados é no longo prazo. Toda vez que aplicamos uma nova dose de remineralizador, além da liberação dos nutrientes, estamos acumulando estes novos minerais, aumentando a qualidade do solo.
No entanto, isto só é possível se o sistema de produção tiver uma elevada atividade biológica. Se não tiver atividade biológica elevada, estes processos de transformação do remineralizador no solo serão muito lentos e não serão observados efeitos agronômicos. A maioria das plantas que cultivamos desenvolveram-se sobre solos muito jovens em seus centros de origem, onde é abundante a presença de diversos minerais que compõem os remineralizadores. Estas plantas já apresentam em seu repertório genético a informação de como interagir com estes minerais para retirar os nutrientes que elas necessitam. Por este motivo temos vários exemplos que demonstram o aumento da atividade das raízes de plantas na presença de remineralizadores.
A partir do manejo dos remineralizadores ocorre o efeito conjugado de incremento da atividade de raízes das plantas, a liberação de nutrientes sob demanda das plantas e a formação de novas fases minerais no solo. Ou seja, os remineralizadores aumentam a eficiência de uso de nutrientes e melhoram o solo. O aumento da eficiência de uso de nutrientes ocorre a partir dos nutrientes do próprio remineralizador e também como consequência da formação de CTC. Os nutrientes presentes no próprio solo e os aplicados via outros insumos serão melhor aproveitados.
Isto significa que vamos parar de usar outros insumos? Não! Mas teremos possibilidade de utilizar os nutrientes com maior eficiência. Não existe nenhuma contradição de uso dos remineralizadores com outros insumos no manejo da fertilidade do solo. Devemos considerar todas as interações possíveis com outros insumos. Além disso, o solo e as plantas são ativos no processo de transformação dos remineralizadores. Diferentes efeitos devem ser esperados para cada tipo de solo e cada tipo de planta cultivada. O manejo também é uma variável muito importante, pois modifica a atividade biológica do solo, essencial para a eficiência dos remineralizadores.
Eventualmente, alguns remineralizadores poderão fornecer nutrientes adequados para os sistemas de produção. Vai depender da composição química e mineralógica do remineralizador, além da dosagem utilizada.
Alguns silicatos de cálcio, magnésio e potássio podem fornecer estes nutrientes no curto prazo. Por exemplo, a anortita, as olivinas e os piroxênios são silicatos que disponibilizam cálcio, magnésio e silício. Por outro lado, a biotita e a kalsilita são fontes comprovadas de potássio.
O intemperismo destes minerais produz minerais com elevada CTC e CRA, como as esmectitas e a vermiculita. Por exemplo, cada tonelada de biotita disponibiliza 100 quilos de óxido de potássio e pode gerar até 1,2 toneladas de vermiculita, em função da entrada de outros cátions e da própria água.
Os estudos agronômicos destas fontes têm demonstrado elevada eficiência técnica e efeito residual por pelo menos dois ciclos anuais. As recomendações de uso ainda necessitam de pesquisa de longo prazo. Mesmo assim, para os estudos de primeiro ciclo de culturas anuais, como a soja, os resultados demonstram eficiência econômica para um raio entre 100 e 300 quilômetros da mineração até a área agrícola. Ou seja, os remineralizadores, da mesma forma que os corretivos de acidez, são insumos regionais.
Outra pesquisa fundamental nesta nova fase após a regulamentação dos remineralizadores de solos será o Zoneamento Agrogeológico, que consiste na definição de unidades geológicas que originaram os solos agrícolas, assim como das potenciais ocorrências de agrominerais regionais.
Estamos ainda no início da adoção desta tecnologia, mas os remineralizadores despontam como insumos com o potencial de aumentar a eficiência de uso de nutrientes e complementar o manejo da fertilidade dos solos agrícolas. Precisaremos de um esforço conjunto de pesquisa da Embrapa e outros parceiros com os agricultores para desenvolver os remineralizadores regionalmente.
Esperamos que diversos remineralizadores sejam registrados e que os produtores sejam beneficiados com estes novos insumos, aumentando a sustentabilidade ambiental e econômica da agricultura brasileira.
Fonte: Projeto Soja Brasil