Durante muitos anos a grilarem vem sendo combatida no Estado do Piauí. As batalhas mais acirradas ocorreram – e ainda ocorrem – nos municípios de Santa Filomena, Uruçui, Baixa Grande do Ribeiro, Bom Jesus e Gilbués. Por várias vezes produtores tiveram que deixar suas lavouras para se preocupar com a contratação de advogados para defenderem seu patrimônio da ação de grileiros. Por outras vezes – num momento suplantado, diga-se – tiveram que se defender do próprio Estado, representado pelo INTERPI. Em diversas ocasiões a Corregedoria Geral de Justiça atuou cancelando várias matrículas frias (a ferramenta de trabalho do grileiro…), com notável eficiência quando Corregedora a Desembargadora Eulália, bem como ainda quando gestor o Desembargador Sebastião Martins. A Vara Agrária entrou nesse cenário dando forte contribuição para o fim dessa prática, tendo seu Juiz Titular, Heliomar Rios Ferreira, criado o ambiente favorável para uma regularização fundiária ampla.
Assim, nesses últimos anos de forma inédita todas as forças que combatiam a grilarem se uniram: os produtores, com suas instituições de classe, a Corregedoria de Justiça, o Ministério Público por meio de seu Grupo Especial de Combate à Grilagem, a Vara Agrária e seu corpo técnico, a Polícia Civil e sua Delegacia especializada, e, por fim, o INTERPI, hoje um órgão sério desde a reestruturação determinada pelo Governador Wellington Dias, encabeçada de início por José Osmar e continuada com a mesma qualidade pelo seu atual presidente, Herberth Buenos Aires.
Mas as forças que atuam no submundo também têm lá sua eficiência e suas estratégias, e de forma assustadora colocaram por água abaixo toda e qualquer esperança de transformação positiva do cenário fundiário em nosso Estado. A grilagem se blindou da atuação dessas forças institucionais de proteção do patrimônio alheio (inclusive boa parte patrimônio do próprio Estado…) se valendo do Poder que desequilibrou a trias politica: o Judiciário.
De fato, duas ferramentas importantes para a obtenção de informação (esta o carro chefe para mapeamento da ocupação do solo e identificação de grileiros) foram tolhidas por ordem do Tribunal de Justiça estadual, em decisões no mínimo estranhas e distintas do que prevê a lei brasileira. Primeiro, por decisão do Tribunal de Justiça a Vara Agrária ficou impedida de determinar que as reintegrações de posse fossem acompanhadas por perito técnico, sendo que tal praxe visava impedir que o beneficiado se reintegrasse onde quisesse, “a dedo” (esse fato foi tornado público nacionalmente meses atrás e objeto de notas de repúdio por parte de instituições como Sindicatos de Produtores Rurais, Aprosoja e CREA). O recurso apresentado contra tal decisão aguarda há mais de cinco meses ser colocado em pauta pelo Desembargador Hilo de Almeida (que em quinze dias proferiu decisão impedindo a perícia quando de uma reintegração que restou por ocorrer a dezesseis quilômetros do local correto…), ou seja, prejuízos milionários já são irreversíveis. Segundo, recentemente o mesmo Tribunal de Justiça tirou de outro produtor rural o direito de se defender quando invadido por um grileiro. Isso mesmo! Quem lê isso e entende minimamente sobre direitos e garantias pode até imaginar estar sob o crivo de uma ditadura, ou de um Estado absolutista. Assim entendeu recentemente o Desembargador Fernando Lopes quando decidindo a favor de um conhecido grileiro do Estado: uma pessoa pode ser atingida por decisão advinda de um processo estranho, envolvendo terceiros, sem que a ela seja dado o direito de se defender.
Nos casos aqui mencionados produtores rurais reconhecidos perderam a integralidade de seus imóveis produtivos para um grileiro que nunca ali pisou e que inclusive é investigado pelo Ministério Público por falsidade ideológica na confecção de matrículas irregulares, já há tempos canceladas.
A perícia e o direito de defesa agora enfrentam perigosíssimas jurisprudências. Sem essas ferramentas qualquer regularização fundiária se torna frágil, pois a mercê de engodos e equívocos, e os reais produtores veem-se à mercê de extorsões.
Não se está aqui acusando os julgadores de dolo, mas o erro judicial é óbvio e mereceria revisão e maior atenção. Nesse contexto em que a lei, a Constituição Federal e o próprio bom senso são olvidados pelo Judiciário, se torna ineficaz qualquer iniciativa do Estado em regularizar os imóveis dos reais produtores em paralelo com a ação da Vara Agrária no fito de manter a paz no cerrado.
Investidores e produtores não querem mais o Piauí. Os que aqui ainda estão querem ir embora para o Maranhão e Pará. As terras piauienses estão se desvalorizando, ao contrário do que ocorre no restante do Matopiba. A grilagem venceu. Ainda que temporariamente, qualquer retomada da ordem pode ser tarde demais.
*Moysés Barjud
Conselheiro da seccional Piauiense da Associação Brasileira dos Produtores de Soja, Presidente em exercício do Sindicato dos Produtores Rurais de Bom Jesus/PI.