A sombra de uma crise que quebrou muitos produtores de soja de Mato Grosso há uma década voltou a cobrir o Estado, apesar de a maioria deles estar capitalizada após pelo menos quatro safras de lucros expressivos. É com essa expectativa que parte dos sojicultores está se preparando para o início do plantio na temporada de 2014/15, em meados de setembro.
Muito do que se viu naquela época parece estar se repetindo, sobretudo a conjunção entre custos elevados e preços achatados. A expectativa, e a torcida entre os fazendeiros em Mato Grosso, é que a demanda da China se mantenha firme e faça a cotação se recuperar logo. Com os preços atuais, muitos produtores que cultivam soja no Estado dizem que vão perder dinheiro ou, no máximo, empatar. As lavouras mato-grossenses produzem cerca de 30% da soja brasileira.
Os preços dos contratos futuros na bolsa de Chicago, que superaram US$ 15 por bushel (medida equivalente a 27,2 quilos), hoje estão próximos de US$ 11. “Isso é preocupante porque o nosso ‘break even’ em Mato Grosso, com os custos de hoje, seria entre US$ 12,50 e US$ 12,80”, afirma Ricardo Tomczyk, presidente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja), que reúne 5 mil produtores.
A depressão dos preços foi uma reação exagerada, na visão de Tomczyk, à expectativa de que os EUA produzam pouco mais de 100 milhões de toneladas de soja nesta safra 2014/15 – que, no Hemisfério Norte, começará a ser colhida nas próximas semanas. Se confirmado, será um novo recorde histórico.
EUA e Brasil, os dois maiores produtores de soja do mundo, têm colhido volumes relativamente próximos, mas os americanos tendem a abrir uma certa vantagem, já que estimativas indicam que a produção brasileira atingirá cerca de 91 milhões de toneladas em 2014/15 – também uma marca histórica. A previsão da safra de Mato Grosso é de 27,5 milhões de toneladas. Em 2013/14, foram 26,5 milhões.
Os produtores radicados no Estado, que preferiram não antecipar as vendas quando as cotações estavam mais elevadas, como já aconteceu em temporadas anteriores, já vinham investindo em insumos e na abertura de novas áreas quando os preços apontaram para baixo. Boa parte dos defensivos e fertilizantes foi comprada a um preço alto, segundo Tomczyk, e isso já está absorvido. “Agora a gente tem uma previsão um tanto quanto pessimista para o próximo ciclo.”
Eraí Maggi, que se apresenta e é descrito por outros produtores em Mato Grosso como o maior produtor de soja do mundo atualmente, faz a seguinte avaliação: “A gente vai ficar meio no empate. Meio sem lucro. Mas é igual a uma fábrica, tem que tocar ela porque depois vem uma hora boa”. E acrescenta, num tom menos sombrio: “Prejuízo não vai dar. Vamos tocando.”
Maggi comanda, com os irmãos Elusmar e Fernando e o cunhando José Maria Bortoli, o Grupo Bom Futuro. São 80 fazendas. Entre 2013 e este ano, plantaram 255 mil hectares de soja. Para 2014/15, o plano é cultivar 264 mil hectares.
Uma peculiaridade desta temporada, agora aprofundada pelos preços mais baixos, é a tibieza das operações no mercado futuro. E no Estado de Mato Grosso, o quadro parece ter se disseminado.
Normalmente nesta época, sojicultores já venderam entre 30% a 35% da safra futura. Uma prática que os ajuda a cobrir parte dos custos. Até o fim de julho, segundo a Aprosoja, esse percentual, em média estava em insignificantes 2%.
“Não vendi nada da soja no mercado futuro em função dos preços achatados e em função de não haver muita demanda. No ano passado, já tinha vendido uns 30%”, contou Elso Pozzbon, que produz soja há mais de duas décadas na região de Sorriso, município que é a nova estrela da produção do grão no país.
“Nossa expectativa é que no mercado internacional, a soja fique acima dos US$ 12, o que nos mantém o mínimo de rentabilidade.”
Em 2004 e 2005, Mato Grosso mergulhou num cenário de custos muito altos e preços da soja deprimidos. A economia do Estado foi fortemente afetada. Muitos produtores simplesmente quebraram.
“É por isso que muitos ainda não pegam crédito oficial”, diz Osvaldo Pasqualotto, produtor baseado em Rondonópolis. “A alternativa é financiamento via trading. Empresas agrícolas grandes e pequenas no Estado se financiam via trading, que fornecem adubos, defensivos em troca de grãos. Seria melhor para os produtores recorrer a crédito de bancos oficiais, seria mais barato.”
Para Tomczyk, a situação de uma década atrás era muito parecida com a atual. Para ele e outros produtores, a esperança está na China. A Aprosoja põe em seu cenário um aumento do consumo chinês de pelo menos 5 milhões de toneladas por ano, nos próximos cinco anos. O consumo atual é de algo entre 70 milhões de toneladas e 75 milhões de toneladas.
Se tudo sair como esperam na frente da demanda, Mato Grosso ainda tem outros desafios a lidar no campo. Um deles é a ferrugem asiática, que mina os plantios de soja e que teve em 2006 seu ponto alto de prejuízos no Estado. Os relatos de produtores são de que as sementes transgênicas estão perdendo sua eficiência. Um fenômeno semelhante que se vê com as sementes de milho, modificadas geneticamente para resistir às lagartas, mas que têm igualmente falhado, segundo afirmam os produtores que alternam investem nas duas culturas.
“O grande problema hoje em termos de tecnologia é o fato de os fungos estarem resistentes aos fungicidas e as lagartas estarem resistentes aos inseticidas e as novos produtos [para combatê-los] demoram muito para serem aprovadas no Brasil”, afirma o presidente da Aprosoja.
O resultado não poderia ser outro. Os produtores ouvidos pela reportagem afirmam que estão usando um número maior de doses de veneno nas terras de Mato Grosso. “Você usa mais produto, gasta mais e isso, além de tudo, ambientalmente, não é aconselhável”, diz Tomczyk.
Fonte: Valor – publicado em 11 de agosto de 2014