Acostumado a plantar soja sempre no início da safra, entre o fim de setembro e o começo de outubro, Luiz Divino, gerente do Grupo Mutum, que cultiva grãos e algodão em Mato Grosso há 37 anos, não esperava que o período de seca que afeta a safra 2014/15 fosse tão longo e irregular para os padrões do Estado, a ponto de afetar a produtividade das lavouras.
Por conta do atraso das chuvas – a estiagem durou até 24 dias em outubro do ano passado -, a fazenda de 52 mil hectares da empresa em Nova Mutum, a 240 quilômetros da capital Cuiabá, vem colhendo desde o início de 2015 até 45 sacas de soja por hectare em algumas porções da lavoura. O volume é bem inferior à sua média nesta safra, de 52 sacas – o máximo registrado na propriedade foi de 56 sacas por hectare até o fim de janeiro.
Assim como outras grandes empresas e grupos agrícolas presentes na região, a companhia – que também investe em piscicultura e empreendimentos imobiliários – todo ano “aperta” (expressão usada na região para a antecipação da semeadura) o plantio da soja para garantir o cultivo da primeira safra de algodão no máximo até 10 de janeiro, e da segunda safra até o último dia do mês. Caso contrário, a colheita da fibra fica comprometida. A cultura é tradicionalmente conhecida por ter uma janela de plantio curta e que exige grande tecnificação, envolvendo custos maiores de produção.
Essa realidade de semear soja o quanto antes sempre acontece em solo mato-grossense, mas nesta safra enfrentou o obstáculo das baixas frequência e intensidade de chuvas, como pôde comprovar o Grupo Mutum. Dados da Somar Meteorologia dão conta de que a média histórica para janeiro em Mato Grosso é de 300 milímetros, mas no primeiro mês de 2015 as precipitações não ultrapassaram a marca de 150.
“Iríamos plantar 28 mil hectares de soja, mas optamos por 24,5 mil hectares por causa da seca. A área de soja, que depois de colhida é usada para o algodão e milho safrinha, está oscilando muito, perdendo muita produtividade”, diz Luiz Divino. “Isso não é comum”.
A lavoura administrada por Luiz Divino recebeu as primeiras sementes de soja em 2 de outubro do ano passado, mas a demora para a chegada das chuvas adiou o calendário de colheita: em vez da primeira semana de janeiro, como em todo ano, os primeiros grãos da fazenda só começaram a ser colhidos dia 19.
O resultado é que essa soja colhida em janeiro – chamada de superprecoce, com ciclo de maturação de 100 dias -, além de apresentar um desenvolvimento mais lento que na safra 2013/14, já demonstra grandes variações de produção por hectare, segundo Divino.
O percentual colhido na fazenda do Grupo Mutum até o fim de janeiro foi de 3%, enquanto, no mesmo período do ciclo anterior, 2013/14, estava em 12%. Ainda assim, o rendimento está na média do colhido até o momento no Estado, de 52 sacas por hectare, conforme o Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea).
Segundo a Fundação MT, instituto privado de pesquisa agronômica que realizou dias de campo nos últimos dois fins de semana, consultando produtores do Estado, esse quadro de alterações expressivas nos níveis de produção em diferentes áreas de sojicultura é percebido em cerca de 300 mil hectares do Estado – o equivalente a 3,4% da área total semeada com a oleaginosa no Estado.
“Essa soja plantada no fim de setembro sempre oscilou em produtividade, mas nesta safra variou mais ainda. Já tem produtor colhendo entre 25 e até 70 sacas por hectare, enquanto o normal é de 40 a 60 sacas”, relata o pesquisador da entidade, o agrônomo Leandro Zancanaro. A Aprosoja/MT, associação que representa os produtores locais, cita ainda casos extremos, de rendimentos perto de 18 sacas por hectare.
Zancanaro pondera que as chuvas irregulares levaram a essas diferenças de produtividade também em áreas de soja seguida de milho, mas em menor escala, já que o cereal tem uma janela de cultivo maior que a do algodão.
Arlindo Moura, CEO da Vanguarda Agro, que cultiva grãos e fibras em Mato Grosso, no Piauí e na Bahia, admite que o atraso no plantio de soja produziu casos extremos em áreas pontuais dentro das fazendas mato-grossenses da empresa, onde se notaram rendimentos mais baixos, entre 48 e 49 sacas por hectare. A companhia, que é listada na bolsa, iniciou o cultivo do grão em 27 de setembro. “Se não tivesse havido instabilidade de chuvas, possivelmente estaríamos colhendo mais que a nossa atual média de 55 sacas por hectare, em torno de 58 a 59”.
O executivo ressalta que esse cenário levou a Vanguarda a se esforçar mais para manter e tentar até elevar o desempenho da produção de soja no ciclo 2014/15. Moura reconhece que a companhia também arriscou na antecipação de área plantada com o grão para acomodar o algodão, mas ainda assim conseguiu ampliar a performance de suas plantações mato-grossenses de soja de 54 para 55 sacas por hectare, entre a safra passada e a atual (2014/15).
“Foi um ano de mais sacrifício. O manejo [integrado de pragas] deu mais trabalho. Em função das intempéries tivemos que aumentar aplicações para proteger as lavouras de mosca branca e lagartas. Houve aumento de insumos em reais também e a margem foi afetada pela queda do preço das commodities”, diz.
Segundo a previsão da Somar Meteorologia, a expectativa é de retomada de chuvas regulares durante o mês de fevereiro, com risco de 10 dias ininterruptos de precipitação entre o fim do mês e a primeira quinzena de março.
As variações de produtividade, no entanto, estão mais associadas às grandes propriedades, relatam agricultores da região. Produtores de menor porte para os padrões de Mato Grosso preferiram plantar após a seca forte a terem que se arriscar.
Fonte: Valor Econômico