A CPI da Funai e do Incra na Câmara aprovou nesta terça-feira (30) o relatório final do deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), que propõe o indiciamento de 67 pessoas. Todos os destaques, com sugestões de mudanças no texto, foram rejeitados.
Desde a aprovação do texto-base, no dia 17, três reuniões para tentar concluir a votação do parecer foram canceladas. O prazo final da comissão se encerraria na última sexta-feira (26), mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prorrogou os trabalhos por mais 30 dias.
Nesta terça, os parlamentares da base derrubaram dois destaques ao texto apresentados pela bancada do PT. Um deles eliminaria o capítulo que contém os pedidos de indiciamentos feitos pelo relator.
Outro destaque retiraria do texto os projetos sugeridos pela CPI. Um deles regulamenta o artigo constitucional que estabelece que só será considerada terra indígena aquelas ocupadas por índios no dia da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988.
O relator retirou do parecer a proposta de encerrar as atividades da Funai. Ele chegou a incluir a sugestão no texto, mas não manteve a mudança no relatório final.
A comissão parlamentar de inquérito investigou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), principalmente em relação aos critérios de demarcação de terras indígenas e quilombolas, assim como os conflitos agrários decorrentes desse processo.
O colegiado foi instalado em novembro do ano passado, mas o grupo também aproveitou o trabalho de outra CPI com o mesmo tema que funcionou entre novembro de 2015 e agosto de 2016, sem ter aprovado um relatório.
A CPI foi presidida por Alceu Moreira (PMDB-RS), que é membro da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária, também conhecida como bancada ruralista. O relator da CPI, Nilson Leitão, é presidente da bancada ruralista.
Indiciamentos
O relatório final tem quase 3,4 mil páginas. O total de pedidos de indiciamentos e encaminhamentos é de 67, envolvendo procuradores, antropólogos, indígenas, servidores da Funai, do Incra, pessoas ligadas à organização Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), procuradores da República, além do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.
O petista é acusado de ter cometido crimes como associação criminosa, apoio a ações de invasão da propriedade e retardamento de atos de ofício para satisfazer interesse, além de improbidade administrativa.
O relatório chegou a conter mais de 100 pedidos de indiciamentos, mas o relator decidiu retirar da lista procuradores, pessoas que teriam cometido crime de improbidade administrativa e dois citados que já faleceram.
Com a aprovação pela CPI, os pedidos de indiciamento serão encaminhados ao Ministério Público e órgãos competentes para o aprofundamento das investigações ou o eventual oferecimento de denúncia. No caso dos procuradores, a CPI não pede indiciamento, mas apenas faz encaminhamentos aos órgãos competentes.
O relatório também propõe a tramitação de um projeto de lei que regulamente, de forma objetiva, o que é ocupação tradicional. Quanto ao uso do solo em terras indígenas, o relator defende que cabe ao índio decidir a utilização da terra para fins comerciais e produtivos e a celebração de contratos.
Nova Funai
Quando apresentou o relatório, Nilson Leitão sugeriu o encerramento das atividades da Funai, com a criação de um novo órgão. Após críticas da oposição, o relator alterou o texto passou a propor apenas uma reestruturação da Funai.
Ele defende que todos os serviços relacionados aos indígenas, inclusive saúde e educação, sejam centralizados no órgão que, para ele, poderia ganhar status de secretaria nacional ou de ministério.
“Queremos que tudo que trate do índio esteja em uma estrutura só, grande, forte, competente, e não como é hoje, apenas para cuidar de demarcação”, explicou.
O relatório pede ainda que sejam anulados ou revogados 21 decretos editados pela então presidente Dilma Rousseff no dia 1º de abril de 2016 que declararam imóveis rurais como de interesse social para fins de reforma agrária.
Partidos de oposição apresentaram um relatório paralelo em que acusam a bancada ruralista na Câmara de produzir um parecer com o objetivo de “perseguir, criminalizar e intimidar pessoas, entidades e movimentos que lutam em defesa da reforma agrária e da demarcação das terras indígenas e quilombolas”. “Essa CPI representa o que há de mais retrógrado no agrário brasileiro”, diz trecho do relatório.
O deputado Nilto Tatto (PT-SP), que é um dos autores do parecer, classificou a CPI de “enviesada” por ter “engavetado” requerimentos apresentados pela oposição. Na avaliação dele, as propostas contidas no relatório de Leitão, se colocadas em prática, vão “agravar o conflito no campo”. Entre as sugestões feitas pelo deputado petista em seu relatório paralelo, ele defende a retomada da Ouvidoria Agrária Nacional com caráter independente do Incra.
Demarcação de terras
O relatório aponta a autoria ou participação de pessoas em diversas irregularidades, como invasões e a atuação fraudulenta para a delimitação e demarcação de áreas.
No documento, Nilson Leitão sustenta que a CPI identificou diversos problemas, como o uso de laudos fraudulentos para embasar a demarcação de terras indígenas e quilombolas em locais que não seriam de ocupação tradicional, isto é, quando são efetivamente habitados por esses povos.
O relator critica ainda o critério de auto-atribuição para a identificação das comunidades remanescentes de quilombos por não haver uma checagem da informação. Ele diz ainda que a demarcação de terras se baseia em laudos parciais e diz que o trabalho dos antropólogos “deve ser científico, não militante”.
Reforma agrária
Em relação à reforma agrária, o relator diz ter identificado “um alarmante número de irregularidades” no Incra.
Entre os problemas apontados por ele, está a delegação a lideranças particulares a atribuição de escolher a propriedade que será alvo de reforma agrária e quem será assentado.
Segundo o relator, essas lideranças particulares, em “conluio” com servidores do Incra, passaram a vender o “direito” de ser assentado com o pagamento de mensalidades a essas lideranças, além da venda irregular de lotes.
Outra fonte de renda para essas “quadrilhas”, de acordo com o relatório, tem sido a própria madeira extraída dos assentamentos. Para ele, a política da reforma agrária se transformou em uma “tragédia”.
Segundo Leitão, as invasões de propriedades rurais representam um “expediente ardiloso e que tangencia a guerra revolucionária”.
O deputado diz ainda que ao deixar de punir os invasores se cria um pretexto para “uma anacrônica ditadura militar com base nas envelhecidas ideias marxistas”.
ONGs
O relatório traz o argumento de que as demarcações devem ter como critério os locais de ocupação tradicional indígena. Segundo o texto, muitas vezes são apresentados “laudos fraudulentos, em conluio e confusão de interesses com antropólogos e ONGs, muitas vezes, respaldados, juridicamente, por segmentos do Ministério Público Federal”.
O relator ainda questiona a necessidade de se fazer mais demarcações de terras indígenas sob o argumento de que os problemas dos índios não se resumem à questão da terra e “grande parcela do território brasileiro já foi reservada para as populações indígenas”.
“De fato, os próprios dados oficiais colocam em xeque o afã demarcatório em detrimento de outras políticas em favor da dignidade indígena, corroborando o já afirmado”, escreveu.
Para embasar a sua tese, ele pondera que a população indígena do Brasil é composta por 817.963 índios, ocupando 117 milhões de hectares, que, segundo o parecer, representam 13,7% do território nacional.
Fonte: G1