Olhando o Brasil como um paciente em um hospital, é possível dizer que a saúde do país é estável, mas ainda apresenta muitas debilidades. É a avaliação feita pelo economista e consultor Antônio Corrêa de Lacerda, diretor da Faculdade de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Para ele, a economia deve acelerar o crescimento em 2018, favorecida pela queda da inflação e dos juros no último ano. Mas isso ainda está longe de ser sustentada e bem abaixo do potencial do país. “É uma retomada ainda tênue”, diz.
Em entrevista à Globo Rural, o economista, também sócio da ACLAcerda Consultores, lembra que o Brasil vive uma das maiores crises da sua história, situação comparável às vividas nas décadas de 80 (a chamada década perdida) e de 30. Só entre 2015 e 2016, o país teve uma retração de 8%. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que mede o nível de investimentos do governo e das empresas, caiu 30% nesse período.
Até o terceiro trimestre de 2017, o indicador mostrava um investimento equivalente a 16% do PIB nacional. No período, a geração das riquezas do Brasil ficou praticamente estável, apontando um crescimento de apenas 0,1% em relação ao segundo trimestre. Neste ano, o crescimento deve ser de até 2,5%.
“Se a gente imaginar que caiu quase 8% em dois anos e você cresce 0,7% agora e mais 2,5%, terminaria 2018 num nível ainda 5% real abaixo de 2014. Então é óbvio que é muito aquém do desejável e está longe de ser uma recuperação para valer. É, sim, uma reviravolta cíclica da economia que, contando com vários fatores favoráveis, como a queda da inflação, a queda dos juros e um certo movimento cíclico promove algum crescimento”, analisa Lacerda.
Leia abaixo alguns pontos abordados na entrevista:
Para Antônio Correa de Lacerda, a agropecuária continuar a ter um papel relevante no desempenho da economia neste ano. No terceiro trimestre de 2017, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou retração de 3% na atividade rural em relação ao anterior. Mas, no acumulado do ano, o setor manteve um ritmo de crescimento de dois dígitos, de 14,5%. “No bojo, no total, esse papel é relevante pelo peso que o agronegócio adquiriu na economia brasileira”, afirma o economista.
Importante na economia e relevante na política, com uma bancada de peso e influente nas votações do Congresso Nacional, o agronegócio encontra oportunidades nas discussões de temas, como a previdência, legislações trabalhista e ambiental e o financiamento da produção, especialmente por 2018 ser ano eleitoral.
“O Brasil tem uma grande oportunidade, que é a criação de soluções sustentáveis. Temos energia renovável, uma fronteira agrícola fantástica. Somos, talvez, o único país do mundo que tem condições de expandir essa fronteira mantendo critérios de sustentabilidade. Isso tudo cria oportunidades que não vão ser resolvidas em 2018. É uma agenda de longo prazo, para o próximo governo, inclusive. O ideal é que a gente consiga avançar nas condições de trabalho, eliminando distorções como condições análogas à escravidão, corrigir eventuais distorções de meio ambiente, trabalhar numa agenda propositiva, de forma a ganhar competitividade fora da porteira, possa oferecer condições ideais ao trabalhador e, por outro lado, oferecer soluções para a sociedade sob a forma de produtos.”
Referência para os rendimentos dos títulos do governo, a taxa Selic influencia o custo do crédito no Brasil e é utilizada como mecanismo de controle da inflação. Embora ressalte a queda dos juros básicos como positiva, Antônio Corrêa de Lacerda avalia que o patamar atual ainda é alto, comparado com outros países. Descontada a inflação, a taxa real está em 4%.
“Eu sempre tenho que comparar internacionalmente e nós estamos vivendo há nove anos um ciclo baixista de taxas de juros nos países desenvolvidos. Estados Unidos, Europa e Japão, já há nove anos mantém taxas de juros próximas de zero ou até negativas. Então, o juro real no Brasil, de 4%, é muito elevado para padrão internacional. Isso tira competitividade do Brasil, encarece o financiamento da dívida pública e desfavorece atividades produtivas”, diz ele.
“Precisamos ter uma taxa de câmbio que favoreça a produção doméstica em detrimento da importação e favoreça a exportação para gerar emprego e renda. Alguém poderia argumentar o seguinte: ‘o dólar barato é bom porque o agricultor pode comprar máquina agrícola nova mais barata’. É o objetivo correto com o instrumento equivocado. O instrumento para favorecer a modernização tecnológica é a política tarifária e o financiamento. Digamos que nos interesse importar máquinas de última geração.
Zeramos o imposto de importação para aquele equipamento porque ele não é produzido no Brasil. Vamos oferecer crédito e financiamento de longo prazo a taxas de juros muito baixas. Tem um custo, mas o retorno é muito mais do que compensador. O que eu não posso é via taxa de câmbio baratear artificialmente o dólar, sem mexer na estrutura tarifária e, com isso, levar a uma distorção porque os produtos de consumo estarão mais baratos. É absolutamente equivocado. Infelizmente, isso foi utilizado nos últimos 30 anos na economia brasileira.”
“O Brasil está entre os principais produtores e exportadores de vários produtos. Somos muito competitivos na produção, mas não somos no escoamento porque, na verdade, trazer esses produtos dos grandes centros produtores ao consumidor final, seja no mercado domésticos, mas principalmente na exportação, custa muito. Há um esperdício muito grande de produto. no âmbito do G20, não há outro país que possua essa demanda reprimida para projetos de infraestrutura e logística. Portanto, isso é oportunidade do ponto de vista do investidor. O que atravanca hoje a materialização dos investimentos na área de infraestrutura e de logística é, primeiro, a ausência de um marco regulatório adequado e estabilidade de regras e, segundo, linhas de financiamento adequadas. O BNDES ainda é a única fonte que temos de financiamento. Precisamos evoluir nas demais agendas macroeconômicas e setoriais, de desregulamentação, de forma a tornar o mercado de capitais um instrumento de financiamento para essas atividades.”
“A dinâmica do investimento no mundo é dada pelo investimento doméstico. Ou seja, o capital estrangeiro, ele é relevante, mas, no melhor dos casos, representa 10% a 15% apenas da Formação Bruta de Capital Fixo. Dois mais absorvedores de investimento externo, China e Estados Unidos, eventualmente em momentos diferentes, jamais tiveram uma participação na sua Formação Bruta de Capital Fixo superior a 20%. Ou seja, 80%, 90% da dinâmica do investimento é dada pelo capital doméstico, seja ele capital privado, seja ele investimento do governo. E, nesse ponto, nós estamos vivendo o pior momento do investimento do governo.”
“Eu vejo que há uma dissociação entre a agenda do Executivo e consequentemente, do Legislativo, e os desejos da sociedade. Nada, a meu ver, é suficientemente esclarecido e debatido. É claro que todas as regras precisam ser revistas em função do novo quadro internacional e brasileiro, mas numa democracia, você deveria ser menos afoito, a meu ver, na condução desse processo. Porque, muitas vezes, uma vitória muito rápida pode representar um derrota à frente. Vamos pegar um tema específico: reforma previdenciária. Você não pode tentar jogar o ônus só em cima de um segmento, né? E mantendo privilégios para alguns outros. Ou não deixando muito claro como é que você vai tratar os setores inadimplentes com a Previdência, ou como você vai tratar, olhando para frente, a receita futura da previdência tendo em vista o novo panorama do trabalho. São questões fundamentais que têm que ser objeto de um amplo debate na sociedade para se avançar em cima de questões sustentáveis, perenes.”
Fonte: Revista Globo Rural