A poucos dias da audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) para tratar do tabelamento do preço do frete, especialistas criticaram a medida, durante o Seminário Frete sem Tabela – Brasil com Futuro, realizado com o apoio de oito entidades da indústria e do agronegócio na manhã desta quarta (22) no auditório do Edifício Armando Monteiro Neto, em Brasília. Com público de cerca de 200 participantes presencialmente, o evento, que contou com a CNI como anfitriã e teve transmissão ao vivo pela internet, abordou o assunto sob três focos: o econômico, o jurídico e o político.
Na abertura do encontro, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), trouxe um panorama sobre o impacto do frete no setor de grãos. Segundo ele, só com a cultura do milho, os prejuízos superam os R$ 2 bi.
“O leite teve um agravamento muito grade. Só na paralisação dos caminhoneiros perdemos R$ 600 milhões com desperdício dos produtos. Levantamento da CNA e da Esalq mostrou que o consumidor está pagando hoje 12% mais caro na cesta básica. O tabelamento traz incerteza para próximo plantio, que começa em 30 dias. Temos de exportar e importar nossos produtos. Fertilizantes são 70% importados e estão 40% mais caros do que em 2017”, afirmou.
O diretor da Inter.B Consultoria, Cláudio Frischtak, destacou que a crise vivida pelos caminhoneiros não está relacionada ao preço do frete, e, sim, ao baixo volume de investimentos em infraestrutura no país, que participou do primeiro painel, o econômico, mediado por Geraldo Samor, editor do Brazil Journal. Segundo ele, há um hiato anual de recursos que deveriam ter sido aplicados em infraestrutura da ordem de 2% do PIB.
Segundo ele, essa crise se reflete em todos os modais. O economista lembrou que o país sofre com restrição fiscal e que não há outro caminho senão incentivar a iniciativa privada a investir, algo impensável em um cenário de restrição jurídica. “Tabelamento é um novo tributo que encarece os preços”, resumiu.
Companheiro de Frischtak nesse painel, Pedro Scazufca, sócio da GO associados, declarou que “o tabelamento, para a sociedade, tem os mesmos efeitos de um cartel”. Segundo ele, a decisão governamental é ainda mais complexa por tratar-se de um mercado altamente competitivo. “O tabelamento é um desestímulo à economia e um retrocesso para o país”, criticou.
Na segunda mesa do Seminário, com o foco jurídico, a ex-ministra do Superior Tribunal de Justiça e ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, afirmou que ainda há outros fatores a considerar, como o aparelhamento das agências reguladoras. “Elas estão, atualmente, coloridas pelas matizes partidárias. Não têm nenhuma capacidade técnica para tomar decisões”, criticou Calmon, em referência à participação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) na definição do preço do frete.
No painel mediado por Laura Diniz, fundadora do site JOTA, Calmon não poupou a Constituição Federal de 1988, que é extremamente paternalista, nem tampouco o Poder Judiciário que, segundo ela, deixou de “analisar as questões do ponto de vista constitucional e passou, neste momento, a funcionar como uma instituição destinada a dirimir conflitos da sociedade”.
Especialista em setores regulatórios, o advogado Beto Vasconcelos, que ocupou postos na máquina pública federal durante os governos Lula e Dilma, afirmou que não havia razões para atuação incisiva do Estado no setor porque “não havia noticias de abuso nem falhas que justificassem uma intervenção”, explicou.
Beto não tem dúvidas em afirmar que o tabelamento do frete é inconstitucional. Além de ser extremamente difícil de ser implementada. “Temos um mercado amplo, competitivo e um país com dimensões continentais. Não existe como delimitar um mecanismo único de formação de preços”, acrescentou.
O último painel abordou a questão política. O deputado Evandro Gussi (PV-SP) foi um dos poucos a votar contra a medida provisória em um Congresso amplamente favorável à decisão. “Mercados formam preços e, em alguns casos, o Estado também forma. Mas o Estado pode atuar como regulador, para corrigir eventuais distorções do mercado. Mas não para substitui-lo”, declarou o parlamentar. Ele defendeu que a lei seja revogada. “Foi uma irracionalidade jurídica, política e econômica”, enumerou.
Na mesa com mediação do jornalista Fernando Rodrigues, diretor do Poder360, o professor do Insper Fernando Schüler traçou análise de um cenário complexo: “Vivemos uma democracia digital, instável, de baixo consenso e um momento de extrema dificuldade para definir rumos”. Schüler afirmou que o país precisa aprofundar a discussão de que valores pretende defender como nação.
Apoiaram o Seminário Frete sem Tabela a ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne), a ABIOVE (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), a APROSOJA Brasil (Associação Brasileira dos Produtores de Soja), a CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos), a CNI (Confederação Nacional da Indústria), a UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar) e a ABIA (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação).
Mais informações – www.fretesemtabela.org