A demora do Estado brasileiro em reconhecer e demarcar todas as terras indígenas garantidas pela Constituição Federal de 1988 é responsável pela crescente tensão no campo entre indígenas e produtores rurais. Este foi um dos pontos de consenso entre os debatedores presentes no Fórum Soja Brasil realizado na noite dA última quinta, dia 29, na Expointer 2013, em Esteio (RS). Com o tema ‘Questão Indígena e Justiça Social’, o debate reuniu parlamentares e lideranças de produtores rurais e indígenas na Casa RBS, com apresentação do jornalista João Batista Olivi.
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Mesmo com alguns momentos de discussão mais acirrada e de tensão entre os participantes, um dos pontos de consenso foi de que todos os presidentes brasileiros desde a promulgação da Constituição protelaram o enfrentamento da questão da demarcação das terras indígenas, garantida pelo Artigo 231.
– Cada conflito hoje em curso tem um nome: se chama Dilma Rousseff. Já foi Lula, já foi Fernando Henrique Cardoso, já foi Fernando Collor, todos têm responsabilidade. E hoje a presidente não recebe a gente para dialogar sobre esse problema – disse o deputado federal Jerônimo Goergen (PP/RS), que preside a Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra).
O coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Litoral Sul, João Maurício Farias, que esteve no debate representando a presidente interina do órgão, Maria Augusta Assirati, concordou com a avaliação do deputado sobre a origem do problema.
– O Brasil tem uma dívida histórica com os povos indígenas, um passivo de mais de 500 anos. Felizmente, ou lamentavelmente, coube a nossa geração enfrentar este passivo. Os conflitos que estão aparecendo não são invenção da Funai. A partir de 1988 era para o Estado resolver em cinco anos, e não fez. Está fazendo agora – disse Farias.
PEC 215
Mas o problema não está apenas nessa demora para os governos lidarem com a questão. O advogado Rudy Ferraz, consultor jurídico da Frente Parlamentar da Agropecuária, expôs que os proprietários sentem uma grande insegurança jurídica neste momento, no tocante ao processo de demarcação de terras indígenas, pois não têm acesso a este processo durante seu andamento e, depois de concluídos os estudos para demarcação, têm pouco tempo para se manifestarem a respeito.
– O grande problema está no processo de demarcação em si, que é arbitrário. A gente não consegue ter acesso aos documentos. São anos para elaborar um laudo antropológico e depois um prazo de apenas 90 dias para os produtores e outros afetados contestarem. É este procedimento obscuro que causa o conflito – argumentou.
O advogado afirma que o processo de demarcação de terras indígenas tem um forte componente subjetivo e questiona o fato de um laudo antropológico ter mais validade do que um título de propriedade concedido pelo mesmo Estado. A saída vista pela Frente Parlamentar é a alteração da Constituição. Para isto, está em tramitação no Congresso Nacional desde 2000 a Proposta de Emenda à Constituição 215, que inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas.
– Nós entendemos que a PEC 215 é uma maneira que trazer também para o Congresso Nacional a deliberação. Seguem-se todos os ritos, mas antes de passar para a presidente, o Congresso poderá discutir esse tema – defende o deputado federal Luis Carlos Heinze (PP/RS), que também pede que o processo de demarcação não seja exclusividade da Funai, mas envolva outros órgãos, como a Embrapa.
Maurício Gonçalves, coordenador do Conselho de Articulação do Povo Guarani no Rio Grande do Sul, concorda que o governo demorou – e ainda demora – demais para enfrentar a questão da demarcação das terras indígenas. Mas defende que os direitos dos povos tradicionais é anterior aos títulos de propriedade privada.
– Nosso direito é anterior a essas leis criadas pelos brancos, os indígenas já estavam aqui. É esse reconhecimento que nós queremos, para viver com dignidade, conforme os costumes dos nossos povos, e não na beira de estradas, embaixo de lonas.
O representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Roberto Liegbott, reforçou o argumento de Gonçalves, lembrando que ainda há centenas de famílias guaranis e caingangues que vivem em acampamentos de beira de estrada na região Sul.
– Nós temos famílias indígenas que nasceram e se criaram na beira de estrada, isso não é justiça social. As terras que eles reivindicam, não o fazem agora, mas há muito tempo. Vivemos esse conflito em função de um estímulo histórico do governo federal, que protela a solução.
Mudanças necessárias
Além das mudanças no processo de demarcação, os produtores rurais defendem mudanças na forma de indenização aos proprietários afetados pela demarcação que perdem suas terras. A Constituição determina que, ao decretar uma área como terra indígena, os títulos de propriedade ou posse ali existentes são nulos ou extintos e, por isso, não geram direito à indenização pela terra nua. A única hipótese admitida de compensação aos proprietários rurais é em relação a benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
Em Mato Grosso do Sul, onde os conflitos entre produtores e indígenas já resultaram em violência de ambos lados, o governo se propôs a comprar terras para resolver as tensões. Para o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Famasul), Eduardo Riedel, esta é uma forma de enfrentar o problema, mas dificilmente resolverá todos os conflitos. Ele defendeu que, para evitar as tensões provocadas pelas invasões, a mesma regra que vale para a reforma agrária deveria valer para a demarcação de terras indígenas.
– Uma área invadida não pode ser desapropriada para reforma agrária, porque o governo entendeu que isso é uma agressão. A regra deveria valer também para as terras indígenas – propôs Riedel.
O dirigente ainda complementou:
– Nós entendemos que há uma interpretação equivocada da Constituição. A lei, à época, tinha um espírito, foi sendo interpretada e acabou nesse conflito que é um conflito entre dois direitos, o dos indígenas e o direito de propriedade. Em algum momento o governo vai ter que se pronunciar sobre isso.
João Maurício Farias, da Funai, concorda que é necessário enfrentar estes problemas legais para resolver os conflitos e acelerar o processo, e diz que já houve tentativas do governo federal de legislar de modo a permitir a indenização. Segundo ele, o senador Eduardo Suplicy teria proposto uma emenda para isto, mas durante a discussão no Congresso, ela sofreu alterações que descaracterizariam o processo.
– A emenda foi extravasada para liberar indenização até de grilagem de terras na Amazônia e o governo teve que voltar atrás. A indenização é um problema? Sim, e a gente tem que enfrentar, mas não assim.
Para o deputado Jerônimo Goergen, no entanto, mudar partes do processo não basta.
– O governo tem falado que vai alterar a regra, envolvendo outros órgãos. Não é solução, mesmo envolvendo mais órgãos segue sendo uma medida administrativa. Temos que mudar a regra, mudar a Constituição.
Participaram do debate o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) Eduardo Riedel; o presidente da Aprosoja-RS e prefeito de Tapera (RS) Ireneu Orth; os deputados federais Jerônimo Goergen, Luis Carlos Heinze e Alceu Moreira; o advogado Rudy Ferraz, consultor jurídico da Frente Parlamentar da Agropecuária; o coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Litoral Sul, João Maurício Farias; representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Roberto Liegbott e o coordenador do Conselho de Articulação do Povo Guarani no Rio Grande do Sul, Maurício Gonçalves.
Fonte: RuralBR
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Mesmo com alguns momentos de discussão mais acirrada e de tensão entre os participantes, um dos pontos de consenso foi de que todos os presidentes brasileiros desde a promulgação da Constituição protelaram o enfrentamento da questão da demarcação das terras indígenas, garantida pelo Artigo 231.
– Cada conflito hoje em curso tem um nome: se chama Dilma Rousseff. Já foi Lula, já foi Fernando Henrique Cardoso, já foi Fernando Collor, todos têm responsabilidade. E hoje a presidente não recebe a gente para dialogar sobre esse problema – disse o deputado federal Jerônimo Goergen (PP/RS), que preside a Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra).
O coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Litoral Sul, João Maurício Farias, que esteve no debate representando a presidente interina do órgão, Maria Augusta Assirati, concordou com a avaliação do deputado sobre a origem do problema.
– O Brasil tem uma dívida histórica com os povos indígenas, um passivo de mais de 500 anos. Felizmente, ou lamentavelmente, coube a nossa geração enfrentar este passivo. Os conflitos que estão aparecendo não são invenção da Funai. A partir de 1988 era para o Estado resolver em cinco anos, e não fez. Está fazendo agora – disse Farias.
PEC 215
Mas o problema não está apenas nessa demora para os governos lidarem com a questão. O advogado Rudy Ferraz, consultor jurídico da Frente Parlamentar da Agropecuária, expôs que os proprietários sentem uma grande insegurança jurídica neste momento, no tocante ao processo de demarcação de terras indígenas, pois não têm acesso a este processo durante seu andamento e, depois de concluídos os estudos para demarcação, têm pouco tempo para se manifestarem a respeito.
– O grande problema está no processo de demarcação em si, que é arbitrário. A gente não consegue ter acesso aos documentos. São anos para elaborar um laudo antropológico e depois um prazo de apenas 90 dias para os produtores e outros afetados contestarem. É este procedimento obscuro que causa o conflito – argumentou.
O advogado afirma que o processo de demarcação de terras indígenas tem um forte componente subjetivo e questiona o fato de um laudo antropológico ter mais validade do que um título de propriedade concedido pelo mesmo Estado. A saída vista pela Frente Parlamentar é a alteração da Constituição. Para isto, está em tramitação no Congresso Nacional desde 2000 a Proposta de Emenda à Constituição 215, que inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas.
– Nós entendemos que a PEC 215 é uma maneira que trazer também para o Congresso Nacional a deliberação. Seguem-se todos os ritos, mas antes de passar para a presidente, o Congresso poderá discutir esse tema – defende o deputado federal Luis Carlos Heinze (PP/RS), que também pede que o processo de demarcação não seja exclusividade da Funai, mas envolva outros órgãos, como a Embrapa.
Maurício Gonçalves, coordenador do Conselho de Articulação do Povo Guarani no Rio Grande do Sul, concorda que o governo demorou – e ainda demora – demais para enfrentar a questão da demarcação das terras indígenas. Mas defende que os direitos dos povos tradicionais é anterior aos títulos de propriedade privada.
– Nosso direito é anterior a essas leis criadas pelos brancos, os indígenas já estavam aqui. É esse reconhecimento que nós queremos, para viver com dignidade, conforme os costumes dos nossos povos, e não na beira de estradas, embaixo de lonas.
O representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Roberto Liegbott, reforçou o argumento de Gonçalves, lembrando que ainda há centenas de famílias guaranis e caingangues que vivem em acampamentos de beira de estrada na região Sul.
– Nós temos famílias indígenas que nasceram e se criaram na beira de estrada, isso não é justiça social. As terras que eles reivindicam, não o fazem agora, mas há muito tempo. Vivemos esse conflito em função de um estímulo histórico do governo federal, que protela a solução.
Mudanças necessárias
Além das mudanças no processo de demarcação, os produtores rurais defendem mudanças na forma de indenização aos proprietários afetados pela demarcação que perdem suas terras. A Constituição determina que, ao decretar uma área como terra indígena, os títulos de propriedade ou posse ali existentes são nulos ou extintos e, por isso, não geram direito à indenização pela terra nua. A única hipótese admitida de compensação aos proprietários rurais é em relação a benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
Em Mato Grosso do Sul, onde os conflitos entre produtores e indígenas já resultaram em violência de ambos lados, o governo se propôs a comprar terras para resolver as tensões. Para o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Famasul), Eduardo Riedel, esta é uma forma de enfrentar o problema, mas dificilmente resolverá todos os conflitos. Ele defendeu que, para evitar as tensões provocadas pelas invasões, a mesma regra que vale para a reforma agrária deveria valer para a demarcação de terras indígenas.
– Uma área invadida não pode ser desapropriada para reforma agrária, porque o governo entendeu que isso é uma agressão. A regra deveria valer também para as terras indígenas – propôs Riedel.
O dirigente ainda complementou:
– Nós entendemos que há uma interpretação equivocada da Constituição. A lei, à época, tinha um espírito, foi sendo interpretada e acabou nesse conflito que é um conflito entre dois direitos, o dos indígenas e o direito de propriedade. Em algum momento o governo vai ter que se pronunciar sobre isso.
João Maurício Farias, da Funai, concorda que é necessário enfrentar estes problemas legais para resolver os conflitos e acelerar o processo, e diz que já houve tentativas do governo federal de legislar de modo a permitir a indenização. Segundo ele, o senador Eduardo Suplicy teria proposto uma emenda para isto, mas durante a discussão no Congresso, ela sofreu alterações que descaracterizariam o processo.
– A emenda foi extravasada para liberar indenização até de grilagem de terras na Amazônia e o governo teve que voltar atrás. A indenização é um problema? Sim, e a gente tem que enfrentar, mas não assim.
Para o deputado Jerônimo Goergen, no entanto, mudar partes do processo não basta.
– O governo tem falado que vai alterar a regra, envolvendo outros órgãos. Não é solução, mesmo envolvendo mais órgãos segue sendo uma medida administrativa. Temos que mudar a regra, mudar a Constituição.
Participaram do debate o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) Eduardo Riedel; o presidente da Aprosoja-RS e prefeito de Tapera (RS) Ireneu Orth; os deputados federais Jerônimo Goergen, Luis Carlos Heinze e Alceu Moreira; o advogado Rudy Ferraz, consultor jurídico da Frente Parlamentar da Agropecuária; o coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Litoral Sul, João Maurício Farias; representante do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Roberto Liegbott e o coordenador do Conselho de Articulação do Povo Guarani no Rio Grande do Sul, Maurício Gonçalves.
Fonte: RuralBR