Enquanto o mundo suspira e se enche de esperança com o arrefecimento da pandemia do novo coronavírus é preciso também buscar soluções concretas para problemas como a redução da renda nas famílias atingidas pelos lockdowns, assim como também para a falta de alimentos e à alta da inflação global, reflexos estes causados pela pandemia e por quebras de safra.
É justamente neste momento em que a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, conjunto de 300 organizações formado por grupos que atuam na compra de produtos agrícolas e pecuários, por indústrias de insumos e instituições financeiras, entre outros setores, propõe medidas que desincentivam o financiamento da produção de alimentos no Brasil.
O pedido é para o governo brasileiro “… assegurar que o crédito rural não será concedido a proprietários rurais e empresas envolvidas em empreendimentos realizados em áreas embargadas, sobrepostas com unidades de conservação e terras indígenas, ou que estejam envolvidos em qualquer tipo de irregularidade socioambiental”.
Na prática, o pedido serve pano de fundo para impedir todo o tipo de conversões de área em lavouras, tal como já vem sendo feito por integrantes da Coalizão com a Moratória da Soja. Aliás, uma das empresas ligadas à associação que representa as compradoras de grãos do Brasil para o mercado externo já inibe desde 2008 a compra de soja de produtores que estejam em áreas regularizadas e autorizadas pelos órgãos ambientais competentes para fazer a conversão de áreas para produção agrícola.
Lamentavelmente, ignorando os alertas das entidades de produtores, a Coalizão Brasil pressiona o governo com medida que, se cumprida à risca, prejudicará e muito os estados brasileiros de população mais pobre que possuem grandes áreas em processo de regularização, com problemas fundiários relacionados, e nos quais o órgão competente tem sido lento e burocrático para corrigir as irregularidades. E são justamente os municípios mais pobres destes estados – em que a agricultura está fazendo a diferença nos últimos anos, criando milhares de empregos e oportunizando condições melhores de vidas às pessoas – que serão afetados por esta iniciativa da Coalizão Brasil.
Embora ninguém discorde que não se pode financiar a produção em áreas em situação ilegal, um fato importante tem sido ignorado. Uma irregularidade ambiental pode vir a ocorrer e o órgão competente embargar parte da área da propriedade que está com o problema. Porém, o restante da propriedade segue produzindo normalmente. Há também irregularidades que perduram sem solução devido à lentidão ou imperícia do órgão competente. Segundo a orientação da Coalizão Brasil, todos esses produtores devem ficar sem crédito.
Vamos à realidade dos fatos. A Embrapa Territorial levantou os dados da ocupação e destinação das áreas no Brasil. O estado da arte é o seguinte: o Brasil tem 66% de vegetação nativa preservada, sendo 33% nas propriedades privadas, da forma como os portugueses encontraram no descobrimento.
Cerca de 30% das florestas brasileiras são protegidas por lei, percentual três vezes maior que a média mundial (10%). Além disso, de acordo com o Código Florestal (Lei 12.651 aprovada em 2012), 80% da área das propriedades no bioma da Amazônia não pode ser desmatada. Nos Cerrados dentro da Amazônia Legal, 35% são protegidos. Nos demais, a preservação dentro das propriedades é de 20%.
Há oito mil anos o Brasil detinha 9,8% das florestas mundiais. Hoje o país possui 28,3% delas. A Europa, sem a Rússia, antes da grande expansão demográfica mundial, detinha mais de 7% das florestas do planeta e hoje tem 0,1%. A África possuía quase 11% e agora tem 3,4%. A Ásia já teve 23,6% das florestas mundiais e agora restam 5,5%. Ou seja, não basta a mulher de César ser honesta; tem que parecer honesta. Ainda conforme os dados da Embrapa, a ocupação da agricultura não passa de 8% do território e se expande em áreas de pastagens, já antropizadas. Os desmatamentos feitos para produzir comida são marginais e não ameaçam nenhum bioma.
Portanto, a Aprosoja Brasil alerta de que tal medida trará profundo impacto na produção de alimentos em municípios de população mais carente, atingindo também os países pobres com menor oferta de alimentos produzidos no Brasil. A entidade entende que as prioridades destas organizações deveriam estar focadas menos nos seus negócios e mais no que é importante para a população do país em que estão atuando.
É muito simples e fácil para empresas que detém bilhões em patrimônio propor restrições de acesso de pessoas carentes e de milhões de desempregados a alimentos com preços acessíveis, além de ditar normas contra os direitos adquiridos dos produtores estabelecidos pelo Código Florestal. E, infelizmente, enquanto tivermos empresas brasileiras e multinacionais aqui trabalhando contra o Brasil nós não vamos virar esse jogo.
O que mais incomoda e causa inveja aos europeus é a competência do brasileiro para a produção de alimentos. No entanto, o que mais nos deixa indignados é ver empresas nacionais e internacionais, sediadas no Brasil, que dependem do nosso segmento para a sua sobrevivência, dando apoio a eles, nos criticando e trabalhando contra a nossa eficiência. Isso precisa mudar.
Aprosoja Brasil