Teresina/PI, 17 de julho de 2020
NOTA TÉCNICA APROSOJA-PI – MORATÓRIA NO CERRADO
NOTA TÉCNICA SOBRE CLÁUSULAS CONTRATUAIS SEMELHANTES À MORATÓRIA DA SOJA
A ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE SOJA DO ESTADO DO PIAUÍ (APROSOJA – PI), seccional estadual da Associação Brasileira dos Produtores de Soja, tomou conhecimento, por meio da imprensa e por relatos de associados, que alguns contratos firmados com tradings desde a safra passada trazem cláusulas que citam, expressamente, a obrigação da soja não ter origem em área desmatada após 07/2008, razão pela qual se fazem necessários os seguintes esclarecimentos.
Sabe-se que tais cláusulas são fruto da chamada “moratória da soja” aplicada ao Bioma amazônico, pacto onde os signatários se comprometeram a não comprar soja de áreas desmatadas na Amazônia após julho de 2006 (tendo sido alterado posteriormente para 2008).
Em outras palavras, não se trata de exigência decorrente de Lei, mas de um acordo comercial entre entidades privadas em razão de forte pressão do mercado internacional, tendo sido restrito à Amazônia brasileira.
Nesse ponto, vale trazer o contexto histórico em que o pacto foi criado. Após aumento do índice de desmatamento registrado na Amazônia e uma série de denúncias de ambientalistas que apontavam relação direta entre a área desmatada e a expansão do plantio de soja, as maiores tradings se reuniram, juntamente com várias entidades da sociedade civil, entre elas a ABIOVE e ANEC, e anunciaram, entre outras medidas, um compromisso de que não comercializariam grãos de soja provenientes de áreas agrícolas dentro do Bioma Amazônico, desmatadas após a data de 24 de julho de 2006, pelo período de dois anos, com claro objetivo de dificultar a comercialização desse produto e, consequentemente, desestimular novos desmatamentos. O pacto agregaria ainda valor de mercado à soja que não estivesse vinculada a desmatamento da floresta, agradando, assim, o exigente mercado internacional. Desse modo, após estudos apontarem que a medida refletiu diretamente na redução do desmatamento, o pacto passou a ser renovado anualmente até ter sido estendido por prazo indeterminado, perdurando até hoje.
De lá pra cá, passados quase 15 anos de duração da moratória, nunca houve, como dito, necessidade de extensão da medida a outros biomas. Isso se dá justamente porque o contexto em que a Amazonia está inserida é completamente diferente dos demais biomas brasileiros. Em outras palavras, um conjunto de fatores leva a crer que a mesma sanção no Cerrado, por exemplo, é completamente ineficaz.
Uma das idealizadoras da moratória da soja na Amazônia, a ABIOVE, por diversas vezes, já se posicionou contrária à aplicação do mesmo mecanismo ao Cerrado. Atitude seguida inclusive por algumas tradings, o que reforça a tese de que sanção desse tipo é desarrazoada se implementada em outro bioma.
Nesse sentido, estudos publicados pela própria ABIOVE indicam que:
“De 2001 a 2018, foram desflorestados no bioma Cerrado 27,7 Mha. Desse total, a soja ocupou 3,5 Mha na safra 2018/19, uma conversão, direta ou indireta, de 12,6% do desmatamento ocorrido nos últimos 18 anos. Dito de outro modo: 87,4% dos desmatamentos não foram ocupados pela soja, mas destinados a outros usos. Significa, portanto, que 80,8% da área de soja no Cerrado – o equivalente a 14,7 Mha – estão livres de desmatamentos ocorridos a partir de 2001”. [Agrosatélite Geotecnologia Aplicada Ltda. Análise Geoespacial da Soja no Bioma Cerrado: Dinâmica da Expansão | Aptidão Agrícola da Soja | Sistema De Avaliação Para Compensação Financeira: 2001 a 2019. – Florianópolis, 2020.]
Portanto, forçoso afirmar que, imposições como uma moratória à soja proveniente do Cerrado, sem ter sido precedida por embasamento científico, não contribuem para solucionar qualquer questão, ao contrário, apenas trazem mais conflitos, mesmo que de forma não intencional, já que a dificuldade ou até mesmo impossibilidade de vender o produto atinge diretamente toda cadeia produtiva da soja. Além do que, não trariam qualquer benefício comprovado ao meio ambiente.
Assim sendo, cláusulas contratuais como as citadas causam insegurança jurídica ao produtor rural, já que exige do mesmo olhar atento a todas as condições impostas e, sobretudo, desprovido de proposito aparente já que, como é de conhecimento comum, não há em vigor qualquer moratória ou outro tipo de sanção aplicável ao cerrado. Não bastasse, a incerteza quanto ao recebimento do produto acarreta incertezas que seguramente resultam na redução de investimentos.
Ressalte-se que, em que pese a possibilidade da trading exigir de produtores do Cerrado o mesmo que foi convencionado para a Amazônia, já que o contrato é de livre negociação entre as partes, tais cláusulas são temerárias, sobretudo se aplicada sem prévio diálogo ou anuncio de novas práticas, trazendo somente prejuízo ao setor, sem qualquer ganho ambiental, como já demonstrado.
Nestes termos, certos de que as disposições contratuais mencionadas não se aplicam ao nosso bioma e que as mesmas não são o instrumento hábil a ser utilizado para qualquer política organizacional sem prévio conhecimento da sociedade, entendemos que os contratos já firmados com uma ou mais trading companies que tragam a exigência de não comercialização de soja proveniente de área desmatada após 07/2008 devem ser urgentemente revistos.
É de suma importância que cada produtor examine os seus contrários em vigência para que não seja surpreendido com a rejeição do seu produto pela Compradora com base em tais cláusulas. Em caso de contrato com essa exigência, um aditivo é fortemente recomendado.
Por fim, lembrando que a APROSOJA-PI preza pelo desenvolvimento sustentável e tem compromisso com a proteção do meio ambiente, remanescemos à disposição das entidades ligadas ao agronegócio e à defesa do meio ambiente para dialogar sobre o tema e contribuir da melhor forma possível.
Cordialmente,
ASSOCIAÇÃO DOS PRODUTORES DE SOJA DO ESTADO DO PIAUÍ (APROSOJA – PI)
Assessoria Jurídica Adriano Martins de Holanda OAB/PI 5.794
Jaivan Carvalho Moura OAB/PI 10.935
Mônica de Carvalho Saboia OAB/PI 8.022