O produtor rural brasileiro tem sido vítima de estereótipos, em sua imensa maioria até absurdos, no que pese o seu relevante papel na economia e no avanço da qualidade de vida no país. Ator principal no cenário do combate a fome, e não as políticas assistencialistas do governo as responsáveis por esta vitória, mas sim a eficiência dos produtores no campo, tem sido alvo fácil de ataques surreais, sempre vinculados a temas como destruição do meio ambiente, utilização de “venenos”, exploração da mão de obra, etc. Enquanto degustam o que esses heróis plantam e colhem com muito suor, olvidam propositalmente da verdade, embora seja difícil aceitar a ignorância diante de algo tão óbvio: são famílias há décadas dedicadas à lavoura, que apenas seguem o que dita à lei, ao beneficiar suas fazendas ou utilizar racionalmente defensivos, muito menos agressivos e muito mais necessários do que costumam achar – e que na imensa maioria dos casos têm em seus funcionários grandes amigos.
E quando enfatizo a relação do empregador e do empregado é porque podemos observamos dois momentos históricos no Brasil: a década de 1940, quando Getúlio Vargas assegurou aos trabalhadores os direitos e garantias mínimas necessárias para proteger o trabalhador; e os últimos 10 anos, quando, de forma absurda e no mínimo estranha, o governo tenta extirpar dos empregadores qualquer segurança, tratando-os como algo pernicioso. O ápice desse absurdo se observa quando o assunto é “trabalho escravo”.
É fato que na indústria, no comércio, no setor rural e até nas relações domésticas existem empregadores que tratam de forma degradante seus funcionários, contudo não se pode negar que essas situações configuram lastimáveis exceções. Apesar de o ser, a forma como buscam reprimir esse hediondo tratamento está se mostrando extremamente infeliz e atentatória a direitos garantido. E, o pior, o subjetivismo das normas que estão tentando fazer valer transformará a geração de emprego em algo arriscado.
“A pena não passará da pessoa do condenado”. Essa é uma garantia constitucional que não querem permitir no direito do trabalho, em que todos – inclusive seus herdeiros e sucessores – pagarão pelo erro de um. Ora, endureça as regras para este, com critérios objetivos e tipificados, mas deixem em paz o resto.
Os moinhos gigantes de Dom Quixote se apresentam – ou se permitem apresentar – na falta de clareza nos critérios para definir o que é jornada exaustiva e trabalho degradante previstos no artigo 149 doCódigo Penal brasileiro. Na prática o que acontece é que o fiscal utiliza as portarias e Instruções Normativas (IN) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) como critérios que devem ser atendidos e caso ele entenda que houve descumprimento, na maioria das vezes, com base na sua experiência, julgará se a situação caracteriza trabalho degradante ou jornada exaustiva. Por exemplo: Se a IN do MTE disser que a qualidade da água deve ser “fresca”, mesmo se o empregador der a mesma água que ele e sua família bebem, caso o fiscal achar que não é fresca ele pode enquadrar como caso de trabalho degradante, portanto condição análoga a de escravo, como diz o art. 149 do Código Penal. Normalmente, se achar um conjunto de irregularidades do tipo espessura de colchão, presença e tamanho de portas e janelas, distância entre camas ou beliches, com certeza o produtor será autuado e seu nome vai para uma lista negra, antes mesmo de ter um julgamento. Como consequência disso terá seu crédito inviabilizado, pois as instituições financeiras são orientadas a não fornecer crédito para custeio e investimentos a quem estiver na famigerada lista, inobstante outras restrições.
Necessário se faz diferenciar trabalho escravo de jornada exaustiva e trabalho degradante, principalmente porque agora temos uma Emenda Constitucional nº 81 que diz que se for constatada exploração de trabalho escravo na propriedade em áreas urbanas ou rurais, o imóvel será desapropriado! Essa, aliás, a maior incongruência que está marcando o embate: ao se desapropriar um imóvel para fins de reforma agrária ou para preservação ambiental, o objetivo é dar ao imóvel uma função social ou perpetuar a sua aptidão para preservação. O foco é o imóvel, e não o proprietário. Mas no caso da Emenda Constitucional nº 81, temos uma desapropriação por motivação não relacionada ao imóvel, mas a seu dono!
Por isso, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) trabalhou o texto do Projeto de Lei do Senado – PLS 423/2013 para que fosse definido adequadamente o que é condição análoga a de escravo, sem envolver jornada exaustiva e trabalho degradante. Isso não seria necessário se os fiscais adotassem critérios objetivos para o enquadramento, e não houvesse casos de pareceres divergentes entre eles, prova da subjetividade das normas.
Pois bem, tudo isso foi para chegar ao seguinte assunto: O Governo Brasileiro fez recentemente um trabalho junto a Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Conferência da entidade entre os dias 28/05/14 à 12/06/2014, onde apoiou e conduziu a aprovação de uma recomendação a Convenção número 29 que trata sobre trabalho forçado. A recomendação legitima a legislação nacional, fortalecendo tudo o que infelizmente é feito hoje (subjetividade e a lista negra atual), e ainda inovou responsabilizando toda a cadeia produtiva e prevendo compensações e indenizações.
Criou-se uma situação em que EUA e China, por exemplo, poderão nos responsabilizar por descumprimento da legislação trabalhista, mesmo que a nossa seja muito mais rígida que a deles. Além disso, nos EUA e no Bloco Europeu se admite convenções trabalhistas por classe, enquanto no Brasil é vedado tudo que excede o que está previsto em lei, portanto, podendo ser objeto de retaliação em assuntos comerciais.
Em um momento em que deveríamos estar discutindo como fazer o país voltar a crescer – o que passa necessariamente por uma reforma no sistema de ensino e capacitação -, em como modernizar nossa legislação e estimular a criação de novos empregos, estamos caminhando para trás, evitando que o país cresça e negando oportunidade de trabalho a milhares de brasileiros.
Além disso, a produtividade é peça fundamental no sucesso de qualquer empresa. Não é a toa que os produtores rurais estão dando de dez a zero nos outros setores. A tecnologia empregada e os processos no campo não deixam nada a desejar perante nossos competidores. Porém, embora norte-americanos e argentinos possam terceirizar a operação de plantio e colheita, no Brasil isso não é permitido, e somos reféns de ideologias retrógradas.
O setor que tem liderado a economia brasileira, embora seja alvo constante de toda espécie de críticas e acusações, tem puxado esta discussão essencial da necessidade de alterar a legislação trabalhista. Porque sabemos que tanto a conceituação do que é trabalho análogo a escravo quanto a terceirização são fatores limitantes do crescimento do país.
Engana-se quem pensa se tratar de uma questão econômica, pois as consequências serão definitivamente sociais. Ou o que você acha que o empresário fará quando perceber que manter um empregado significará ter mais prejuízo do que lucro? Ele substitui por máquinas. Ainda acha que não precisamos mudar a legislação trabalhista?
*Moysés Barjud – presidente da Aprosoja Piauí