“As dificuldades fizeram-se para serem vencidas.” Essa frase é atribuída ao fidalgo Irineu Evangelista de Sousa, também conhecido como Visconde de Mauá.
Detentor de uma visão à frente do seu tempo, Mauá precisou superar oposicionistas que atuaram para criar óbice à implantação do primeiro trecho de ferrovia no Brasil. Os argumentos contrários a obra eram os mais diversos, desde a grotesca crença de que a ferrovia poderia reduzir a virilidade das tropas à medida em que os soldados teriam suas marchas abreviadas, até fundamentos considerados de ordem técnica, como os que afirmavam não haver fluxo de carga para suprir o modal e que, portanto, o investimento ficaria ocioso a maior parte do ano. O fato é que o intento era ambicioso, inaugurar no país o transporte de larga escala ao mesmo tempo em que o mundo acompanhava atônito a promessa de produção comercial de veículos com motor à combustão interna cuja velocidade superaria os melhores cavalos de corrida.
Se passaram 167 anos desde a inauguração dos primeiros 15 km de ferrovia no Brasil e ainda não conseguimos nos desvencilhar dos debates sustentados no “juízo de conveniência política”. Observem, utilizo aspas para fazer justa remissão ao trecho da decisão cautelar proferida pelo Supremo Tribunal Federal que suspendeu a eficácia da Lei nº 13.452/2017, que alterou os limites do Parque Nacional do Jamanxim reduzindo-o em 0.054% do seu tamanho original. Em consequência desta decisão, todos os processos relacionados à ferrovia que ligará Sinop no Mato Grosso a Miritituba do estado do Pará, trecho comumente chamado de Ferrogrão, foram paralisados até que o Plenário da Suprema Corte dê a palavra final.
Ora, são inegáveis os benefícios ambientais e sociais que a diversificação de modais de transporte trazem para a sociedade, seja pela redução na emissão de gases do efeito estufa, pelo uso sustentável dos recursos, ou mesmo pela menor ocorrência de acidentes envolvendo vítimas fatais, dentre tantas outras externalidades positivas derivadas de um melhor planejamento logístico. Países que investiram em ferrovias como forma de integrar seus territórios ou como parte de sua estratégia de ocupação interior, descobriram potencialidades regionais que seriam consideradas fantasiosas se apontadas durante a implantação do modal. É claro que aqui não seria diferente.
Inconteste também é o fato de que a referida lei de conversão derivou de uma medida provisória que tramitou por 113 dias no Congresso Nacional, e que sob o escrutínio parlamentar fora inclusive retirado, via emenda, o acréscimo de mais de 50 mil hectares à unidade de conservação, sinal de que a matéria fora amplamente debatida e ajustada por dois dos três poderes situados no mesmo plano que o Judiciário. Talvez esse fato isolado já pudesse justificar a presunção de constitucionalidade citada na própria decisão cautelar que suspendeu os efeitos da Lei nº 13.452/2017, mas temos ainda o quórum de votação, idênticos para a aprovação de uma lei de conversão ou de uma lei ordinária.
Talvez hoje Mauá teria a mesma impressão que nós: o Brasil precisa entrar nos trilhos, mas antes o bem comum deve estar à frente de quaisquer outras conveniências.
*Fernando Cadore é produtor rural, engenheiro agrônomo e presidente da Aprosoja Mato Grosso.