Representantes do setor agropecuário e de transportes de carga se mostravam cautelosos com o anúncio, feito na sexta-feira, 3, da liberação do tráfego de carretas na BR-163 pelo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil. O trecho da rodovia que passa pelo Pará teve períodos de interdição ao longo de duas semanas por causa de atoleiros provocados pelas chuvas na região, já que parte da BR-163 que passa pelo Estado do Norte não é asfaltada. Esta é uma das principais rotas de escoamento de grãos para os portos da Região Norte. A cautela se dava porque, apesar da liberação, o País está em pleno período de escoamento de uma safra recorde da oleaginosa, que pode alcançar mais de 100 milhões de toneladas, e as chuvas continuavam a cair sobre os trechos não asfaltados. Ou seja, o risco de novos entraves na rodovia não está totalmente afastado em razão do tráfego intenso de pesadas carretas nesta época do ano.
Segundo o consultor, a rodovia já deveria estar pronta há pelo menos cinco anos, considerando os aumentos de movimentação de carga pelo Arco Norte, mas a pavimentação foi sendo postergada. “Esse preço estamos pagando por não termos tomado providências no tempo em que deveriam ter sido tomadas”, disse o consultor. “O que tem que ser tirado de lição é que nós precisamos concluir a pavimentação, reforçar o asfaltamento todo da BR-163, consolidar o projeto de terceiras pistas em pontos críticos e até de duplicações.” Segundo Fayet, a via é fundamental para o escoamento da produção do Estado de Mato Grosso. “Mesmo que construa ferrovia, tenha hidrovia, o Brasil não pode prescindir da BR-163 com alto nível de segurança de tráfego.”
O Dnit informou que a rodovia conta com contratos de manutenção. “A situação no Pará pode ser atribuída a fatores como o excesso de chuvas, com índices pluviométricos acima da média, e ao maior número de caminhões circulando, devido ao aumento da produção agrícola. Com a formação das filas, o Dnit não conseguiu acessar os locais para realizar os serviços de manutenção”, destacou o órgão.
As paralisações foram alvo de duras críticas das duas associações que reúnem tradings no Brasil. “Espera-se que a fila seja zerada o mais rápido possível para que as construtoras possam intensificar os trabalhos para manutenção da trafegabilidade”, disse o gerente de Economia da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Furlan Amaral. Amaral esclareceu que os prejuízos já somam US$ 6 milhões com as multas por causa dos cancelamentos e redirecionamentos de navios. Outros custos ainda não computados se referem ao redirecionamento de parte das cargas e ao aumento de preços dos fretes, bem como das barcaças e empurradores que atendem o Arco Norte.
O prejuízo pode chegar a R$ 350 milhões no ano-safra 2016/2017, que representa o custo de redirecionamento de 7 milhões de toneladas de soja que subiriam de Mato Grosso para o corredor Tapajós (Mirituba e Santarém), no Pará, para os portos do Sul, além dos custos de elevação (movimentação da soja nos portos), que vão ser pagos nos portos do Pará mesmo sem a utilização das instalações. Fora isso, há um custo diário de R$ 400 mil referente ao demurrage que as tradings pagam se estenderem o prazo previsto de estadia dos navios que chegam aos portos.
Desde o dia 10 de fevereiro, conforme a Abiove, o número de caminhões foi se reduzindo diariamente na BR-163 no acesso aos portos do Pará, até que no dia 20 passou menos de 10% do volume esperado. A partir do dia 25, nenhum caminhão mais alcançou os portos. No dia 1º de março, a movimentação de cargas só foi totalmente retomada nesta sexta-feira (3), com a liberação das duas pistas.
Amaral, da Abiove, ressalta que os contratos de exportação via Arco Norte já foram realizados e a reprogramação de embarques é “extremamente onerosa e inviável”. Segundo Fayet, da CNA, a migração de navios para os portos do Sul e Sudeste com os problemas na BR-163 – solução provisória encontrada pelos exportadores – pode estancar em breve com a normalização do tráfego na rodovia sentido Norte. “O prejuízo maior, se não chover outra vez, já está contabilizado”, diz o representante da Abiove.
O diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), Sérgio Mendes, ressaltou que a solução paliativa precisa se transformar em permanente, com a pavimentação dos 189 quilômetros que faltam no trecho paraense da BR-163. “A gente espera que seja feita alguma coisa daqui para a frente em definitivo, para não incorrer neste erro. Todo janeiro e fevereiro vai chover, isso não é novidade.” A Anec ressaltou que vem discutindo com o governo a saída da soja pelo Arco Norte desde o ano 2000. “Além do prejuízo, você perde confiabilidade como exportador. Isso expõe demais o País.”
Mendes lembra que, todo ano, com exceção de 2016, quando houve quebra de safra, o Brasil vinha aumentando em 4 milhões de toneladas os embarques de soja, milho e farelo pelos portos do Norte do País, e que esse movimento precisa continuar para não sobrecarregar os terminais do Sul e Sudeste. “Estamos falando da soja, o item mais importante da pauta de exportação brasileira. Todo mundo está cansado de saber que a nossa matriz de transporte é a pior que existe, pela dependência do modal rodoviário.”
Os produtores de soja amargam prejuízos também por causa dos recentes problemas de escoamento da safra pelo Arco Norte do País via BR-163. As perdas, além do desconto de fretes mais altos nos preços, ocorrem também em problemas de armazenagem, contou o presidente da Associação dos Produtores de Soja do Brasil (Aprosoja Brasil), Marcos da Rosa, especialmente no norte de Mato Grosso, região que costuma enviar grandes volumes do grão para o Arco Norte.
Segundo ele, enquanto os caminhões estavam presos nos atoleiros da BR-163 no Pará e não conseguiam voltar para carregar mais grãos, os armazéns mato-grossenses lotaram, causando transtornos, inclusive com perdas na lavoura. “Foram poucos dias de sol, poucas oportunidades de colheita, e quando o produtor conseguia colher não tinha onde estocar o produto.” Ele citou o exemplo do município de Matupá, onde faltou espaço de armazenagem e a melhor alternativa de silo ficava a 120 quilômetros. Para levar o produto até lá, caminhões também enfrentaram problemas de atoleiros, só que desta vez em estradas municipais e estaduais. “É lamentável que em um país com uma produção deste tamanho ainda ocorram esses fatos.” O presidente da Aprosoja Brasil, que participa de evento Commodity Classic nos Estados Unidos, ressaltou ter ouvido duas menções aos problemas logísticos no Brasil nos últimos dias no evento.
Já do lado dos transportadores de carga, persiste o pessimismo sobre a retomada da movimentação. O presidente da Associação Brasileira de Logística e Transporte de Carga (ABTC), Pedro Lopes, ressaltou ainda que o setor, representado pelas entidades de transporte das regiões afetadas pelo problema, com o apoio da ABTC, pretende acompanhar as ações previstas pelas autoridades dentro do cronograma estabelecido para verificar como evoluirão as condições de frete na rodovia.
Lopes disse que o prejuízo para o setor tem sido estimado por muitos transportadores em R$ 1 bilhão, mas pode na verdade ser muito maior, pelo tempo de espera dos caminhões parados e pelas condições insalubres a que foram submetidos os caminhoneiros, sem acesso a alimentos. “A cada dia que passa o prejuízo acumula”, disse. Lopes lembrou ainda que alguns autônomos aproveitam justamente esse período em que há mais demanda por frete para juntar recursos para cumprir compromissos e que, presos no congestionamento, podem ter perdido o momento de melhor remuneração. “É uma agressão a um sistema de importância tão grande para o País.”
Fonte: Estadão (Leticia Pakulski)